Táxis autônomos têm custo por km 60% menor e emissões 40% inferiores, mas produção polui 30% mais que a de um EV
Enquanto o brasileiro segue nadando contra a maré, negando a virada da eletromobilidade, o Primeiro Mundo caminha a passos largos para a automação veicular. Os veículos autônomos (AVs) oferecem maior conveniência para os usuários e mais eficiência energética, já que só existem em versões 100% elétricas. Nas próximas décadas, eles irão impulsionar o transporte em nível global e, sob este prisma, é provável que também ampliem as emissões de gases do efeito estufa (GEE) durante todo seu ciclo de vida. “Isso pode se dar por vários ‘efeitos rebote’ que, apesar da economia de combustível de pouco mais de 20%, ainda não compensa um aumento das emissões de até 40% na fase de produção, em relação aos EVs”, destaca o pesquisador do Centro de Política Ambiental do Imperial College, de Londres, e economista-chefe do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Qeeri) do Catar, Marcello Contestabile. Antes que os velhinhos mumificados e que usam gravata-borboleta, principais representantes do terraplanismo automotivo, clamem pela volta das caldeiras a vapor, é bom frisar que o estudo de que vamos tratar compara os AVs com os EVs – portanto, serão poucas remissões aos modelos equipados com motores a combustão interna, uma tecnologia do final do século 19.
“Esforços de reciclagem podem compensar esse aumento, cortando as emissões equivalentes a 6,65 toneladas de dióxido de carbono, por veículo. No entanto, ao examinar todo o ciclo de vida, os AVs podem emitir 8% mais de GEE, quando comparados a um EV convencional. Para compensar esta diferença, serão necessárias a adoção de métodos de fabricação mais limpos e eficientes, aprimoração dos sistemas de condução autônoma, adoção de energias renováveis para a rede de recarga e novas iniciativas de economia circular”, pontua Contestabile. Para ele, os veículos autônomos trazem muitos benefícios, desde a inclusão de idosos e deficientes que, hoje, não conseguem dirigir, até a eficiência decorrente de sua conexão com a gestão de tráfego.
“Os AVs têm o potencial de diminuir as emissões de GEE de várias maneiras, incluindo a redução na necessidade de vagas de estacionamento. Poucos sabem, mas procurar um lugar para estacionar contribui para o aumento em um terço do tráfego em áreas urbanas e, durante este tempo adicional, consome-se mais combustível”, detalha o engenheiro e cofundador do Sustainable Systems & Solutions Lab, Nuri Onat, pós-doutorado (PhD) pela University of Central Florida. “Há ganhos decorrentes da seleção autônoma de rotas mais eficientes, em tempo real, e da manutenção de velocidades constantes, evitando acelerações e desacelerações desnecessárias. Isso reduz o consumo e, portanto, as emissões”, complementa Onat. Os benefícios, neste campo, são ampla e cientificamente comprovados, mas estes ganhos são obtidos numa comparação entre AVs e modelos tradicionais, equipados com motores a combustão.
Pela primeira vez
“Pela primeira vez, comparamos AVs com EVs, considerando os ‘efeitos rebote’ e também incluindo uma perspectiva de ciclo de vida na análise. O uso de veículos autônomos como táxis podem reduzir o custo do quilômetro rodado em 60% e diminuir as emissões de GEE em 40%, comparados aos modelos tradicionais”, pondera o engenheiro elétrico Adeeb Kutty, chefe de pesquisa e projetos do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas catari. “Todavia, a partir da geração de eletricidade em termelétricas, espera-se que as emissões decorrentes do aumento do número de viagens e da produção dos – componentes adicionais para – sistemas autônomos, durante todo o ciclo de vida de um AV, cresçam 8%. Na prática, a economia operacional de energia de 17%, enquanto roda nas ruas e estradas, não compensa o aumento de emissão de 40% na fase de fabricação – daí o valor supracitado”.
O leitor mais qualificado intelectualmente e que chegou até aqui deve estar se perguntando sobre a importância disso tudo, em um país onde os carros do futuro serão movidos a bananas ou água de côco, e onde é mais fácil encontrar um chupacabras do que um AV. Primeiramente, é importante qualificar nossa audiência e a forma de fazê-lo é tratando de temas adultos, aliás, assuntos que os alunos escandinavos do segundo grau estudam, com menos de 18 anos de idade. Segundo, porque o estudo que reuniu especialistas de três continentes traz dados muito importantes para todo e qualquer sujeito que pretende entender de automóveis do presente – e não de Opalas e Fuscas.
Dois dados muitíssimo relevantes: o uso de energia fotovoltaica na geração de eletricidade resulta em uma redução drástica, de mais de 82%, nas emissões dos EVs, durante todo seu ciclo de vida; enquanto a produção de um AV emite quase 30% a mais GEEs. Considerando que o objetivo dos AVs é maximizar conforto, segurança, eficiência energética e utilização da infraestrutura, ao mesmo tempo em que se reduz os impactos ambientais, há um grande trabalho em curso, que vai muito além do lançamento de modelos requentados com motores a combustão. Fornecer uma perspectiva global dos ‘efeitos rebote’ requer estudos regionalizados, mas o Brasil segue apartado da virada da eletromobilidade.
“A avaliação do impacto ambiental dos AVs prevê múltiplos cenários, como os preços da eletricidade e a melhoria na eficiência energética, dará suporte ao desenvolvimento de políticas pública para a regulação dos veículos autônomos”, sublinha Nuri Onat, engenheiro (PhD) e cofundador do Sustainable Systems & Solutions Lab. “As mudanças climáticas são uma questão urgente e outras categorias de impacto, bem como aspectos sociais e econômicos mais detalhados da adoção de AVs precisam ser estudados para fornecer uma avaliação de sustentabilidade completa”, complementa Adeeb Kutty, chefe de pesquisa e projetos do Ministério do Meio Ambiente catari.
Apesar de ter uma área correspondente à metade do menor Estado brasileiro, que é Sergipe, e de sua população não chegar a três milhões de habitantes, o Catar é o maior exportador de gás natural do mundo. O país também detém 13% das reservas globais de petróleo e, sendo economicamente dependente deste recurso, está entre os líderes nos estudos sobre novas energias. Em sentido oposto, o Brasil engatinha no jardim da infância quanto o assunto são EVs e AVs, uma infantilização que nos mantém cativos de produtos ultrapassados, caros e ineficientes.