Relatório da J.D. Power revela apego emocional do consumidor à gasolina, mas a tendência é a consolidação da eletromobilidade


Os norte-americanos se realizam mais, como consumidores, com modelos equipados com motores a combustão. Esta foi a grande descoberta do mais recente estudo da J. D. Power, referência entre as empresas de pesquisa e consultoria automotivas, nos Estados Unidos, que ouviu mais de 84 mil consumidores entre fevereiro e maio deste ano. Denominado “Automotive Performance, Executionand Layout Study”, o relatório trouxe informações sobre o “apego emocional” e o “nível de excitação” dos consumidores, logo após a aquisição de seu zero-quilômetro. “Curiosamente, os dados deste estudo foram obtidos no momento em que os preços dos combustíveis passavam por aumentos meteóricos, o que acabou se traduzindo em menores índices de satisfação dos proprietários de modelos tradicionais, quando comparados aos donos de veículos elétricos (EV)”, aponta o diretor global para automóveis da empresa, David Amodeo. “Por outro lado, quem migrou para um EV reclama do alcance limitado e do enorme tempo de recarga das baterias”.

No topo da lista, a Porsche manteve a primeira posição, imediatamente à frente da Tesla, seguidas pela Genesis – que é a marca de prestígio do Grupo Hyundai, o equivalente da Lexus em relação à Toyota. Por falar nela, as três últimas posições da tabela ficaram, respectivamente, com a própria Toyota, a Chrysler e a Honda, mostrando que as marcas sul-coreanas têm, hoje, não só maior prestígio como também maiores níveis de satisfação de seus clientes, quando comparadas às japonesas.

Das montadoras mais conhecidas no Brasil, Volkswagen, Mitsubishi, Nissan, Jeep e Ford são as mais próximas da “Série B”, enquanto a Cadillac, a Polestar, a Lincoln, a Alfa Romeo e a Acura, cinco marcas que sequer são ofertadas por aqui, aparecem perto daquelas que compõem a tríplice coroa. Ou seja, o Brasil, para além de ser um mercado ínfimo para os EVs, se consolida não apenas como local de desova de modelos ultrapassados, como também como um país onde os fabricantes de mais baixa reputação do ranking fazem a festa, cobrando caríssimo pelo que há de pior.

“A maior surpresa deste estudo foi, sem dúvida nenhuma, a aparição da Dodge no quarto lugar, – de penetra – entre as marcas premium. É um verdadeiro ‘case’ quando se trata de identificar uma base de clientes e fazer um marketing muito bem direcionado. Na prática, é um excelente trabalho de convencimento – para que o comprador opte por seus veículos – e valor agregado, já que a Dodge direciona seus produtos para a satisfação de seu público”, avalia Amodeo.

Audi é a pior das ‘premium’

Com relação à eletromobilidade, a J. D. Power apurou que os EVs e híbridos plug-in têm uma média de satisfação de seus clientes de 838 pontos, inferior aos 841 pontos dos modelos “de massa” – equipados com motor a combustão. Aqui, cabe destacar que a Tesla, com 887 pontos, não entrou na composição da média dos EVs, porque há Estados norte-americanos em que o fabricante precisa autorizar a pesquisa com seus clientes e, neles, a Tesla não fez concessão. “Outra descoberta muito interessante é que tanto os proprietários de modelos com propulsores térmicos, quanto os que têm automóveis 100% elétricos, fazem queixas relativas à autonomia. Os primeiros, reclamam que o aumento nos preços dos combustíveis acaba limitando o uso e os segundos, que o alcance de seus EV é menor que o desejável”, pontua Amodeo.

A Audi ficou com o troféu de pior montadora, entre as marcas de prestígio, e nenhum de seus modelos figurou entre os três melhores de cada classe – a pesquisa do J. D. Power segmenta o mercado norte-americano em 22 categorias. Entre os modelos mais vistos nas ruas brasileiras, o Nissan Versa foi eleito o melhor entre os “Compactos”. Fora ele, os vencedores são praticamente desconhecidos, por aqui, e três exceções são o X6, da BMW, que venceu entre os “SUVs Médios Premium”; o GLA, da Mercedes-Benz, que venceu entre os “SUVs Compactos Premium” e o Bronco, da Ford, que venceu entre os “SUVs Compactos”.

Não há outro caminho

As 34 marcas pesquisadas pela J. D. Power pertencem, basicamente, a sete grandes grupos automotivos: General Motors, Ford, Stellantis, Volkswagen, Toyota, Honda e Mercedes-Benz (antes, chamado Daimler AG). Na verdade, o mercado norte-americano está concentrado em poucas mãos e a concorrência se dá entre gigantes e não, exatamente, entre cada uma destas pouco mais de três dezenas de montadoras. O que o leitor não imagina é que essa concentração irá aumentar, nos próximos anos, e em nível global. “A virada para a eletromobilidade terá força de consolidação e algumas marcas, que não se encaixam no plano de eletrificação dos grandes grupos, serão descartadas”, afirma o analista do banco de investimentos Jefferies e editor-associado do jornal “Automotive News Europe”, Philippe Houchois.

Para ele, a indústria automotiva necessita de mais fusões e aquisições. “Há 25 anos, projetamos uma consolidação do setor, mas ela não ocorreu da forma que esse agrupamento dos negócios reduzisse os riscos”, avalia Houchois. “Alguns grupos, como a Mercedes-Benz e a Stellantis, tentam integrar suas operações industriais de motores a combustão e EVs, mas isso trará problemas, no futuro. Com os propulsores térmicos fadados ao desaparecimento, não há outro caminho senão o de um agrupamento, como o da chinesa Geely e a sueca Volvo, que viabilize financeiramente a transição dos modelos convencionais para os 100% elétricos”.

O analista também pontua que a disputa não ocorrerá em solos norte-americano ou europeu – quanto mais no brasileiro. “É inevitável que a questão dos custos determine a migração da produção dos EVs, principalmente os compactos, para a China. E os consumidores terão de aceitar a autonomia reduzida desta geração de veículos elétricos, se quiserem preços mais acessíveis”, avalia Houchois. “Hoje, só quem monta EVs em uma fábrica chinesa, com custos reduzidos, consegue sucesso comercial. Na Europa, por exemplo, a Dacia faz isso com o Spring – que é o equivalente europeu do nosso Kwid E-Tech. A Stellantis, repetindo esta fórmula dentro de uma estratégia global, teria bons resultados em nível mundial”, conclui.

Em outras palavras, o monopólio é a “solução” inexorável para o setor automotivo, no futuro a médio e longo prazos. Já a satisfação dos consumidores seguirá uma tendência esquizofrênica, na medida em que o comprador enxergará cada vez mais diferenças em produtos que, por trás da imagem individualizada, são idênticos uns aos outros.