Gigante dos eletroeletrônicos está de olho em mercado de R$ 222 bilhões, com “mobilidade como serviço”, mas ainda falta muito para o Vision-S 02 chegar às ruas
A transição acelerada dos automóveis com motores a combustão interna para os modelos elétricos (EVs) vem despertando um interesse cada vez maior das gigantes da tecnologia, por um novo nicho de mercado. A medida que mais países adotam regras que estrangulam as emissões de poluentes, fica claro que a eletrificação da frota é um caminho sem volta e conforme os EVs vão se firmando como um produto de menor complexidade industrial, marcas como a Apple e, agora, a Sony, confirmam seu interesse neste segmento. “Estamos preparando o lançamento comercial do nosso primeiro EV”, disse o presidente-executivo (CEO) da Sony, Kenichiro Yoshida, durante a CES 2022, em Las Vegas. “Vamos estabelecer uma nova subsidiária – a Sony Mobility Inc. – voltada para o setor de transporte, ainda neste quadrimestre. Podemos agregar criatividade e tecnologia, mudando a experiência do deslocamento”, completou Yoshida, durante a apresentação do Vision-S 02, um utilitário-esportivo (SUV) conceitual que, entre outros atributos, embarca uma versão dedicada do PlayStation 5.
Só o mercado de “mobilidade como serviço” pode chegar a US$ 40 bilhões (o equivalente a R$ 222,6 bilhões), em 2030, segundo estimativas da MarketsandMarkets, empresa de pesquisas que monitora nada menos que 30 mil oportunidades de negócio em crescimento. É um salto gigantesco em relação aos R$ 3 bilhões (equivalentes a R$ 16,7 bilhões) anuais, de hoje, o que gera uma natural desconfiança. Por isso mesmo, este passo da Sony em direção à eletromobilidade é visto com otimismo e, também, com certa reserva pelos analistas internacionais – gente muito qualificada, formada pelas mais prestigiadas universidades de negócios do mundo, portanto, donos de opiniões infinitamente mais fundamentadas do que os comentários lisérgicos do Facebook.
“Existe um mercado vibrante, emergente e de grande potencial para os EVs e não há como negar isso”, afirma Sam Abuelsamid, principal analista automotivo da Guidehouse Insights, empresa de consultoria e inteligência de mercado que cobre a transformação global de energia. “Este é um setor da indústria que, durante décadas, foi muito restrito. Agora, há uma abertura, mas a janela está se fechando, rapidamente”, acrescentou. Para ele, à medida em que grupos como a General Motors e a Volkswagen investem bilhões no lançamento de veículos verdes, o cacife para entrar neste jogo vai aumentando. “Você pode gastar muito dinheiro, muito rapidamente, e essa parece ser uma das razões para a Apple manter apenas um flerte com este segmento”, lembra Abuelsamid.
De qualquer forma, dinheiro não parece ser um impeditivo para a Sony, afinal, a empresa tem um valor de mercado de quase US$ 160 bilhões (o equivalente a quase R$ 1 trilhão!). No ano passado, a marca afirmou ter nada menos que US$ 16 bilhões em caixa, paradinhos, prontos para serem gastos em novos empreendimentos. “Vi o anúncio de Kenichiro e acho que será muito difícil a Sony ter sucesso no mercado automotivo. Ela não conseguirá fazer o mesmo que Tesla fez, porque os obstáculos, hoje, são muito maiores”, avalia o analista Takaki Nakanishi, do Instituto de Pesquisa Nakanishi, de Tóquio. “Não há comparação entre as regulamentações de segurança de um EV e as de um dispositivo eletrônico, um gadget. Seria muito mais plausível terceirizar a produção com empresas como a Foxconn”.
Nunca é demais lembrar que a Dyson – inventora do aspirador de pó Dual Cyclone – chegou a anunciar sua incursão entre os EVs, mas abortou a missão, em 2018. Da mesma forma, a Panasonic, grande concorrente da Sony em nível global, não se arrisca na eletromobilidade, mesmo sendo um dos fornecedores de pacotes de baterias da própria Tesla. “Definitivamente, não consideramos o lançamento de um modelo elétrico com nossa marca”, disse o presidente da divisão de entretenimento e comunicação, Akira Toyoshima. Sem dúvida, trata-se de uma postura bastante prudente, principalmente diante da sedução que o fenômeno Tesla representa – uma empresa que vale quatro vezes mais do que a Toyota, produzindo dez vezes menos.
Apple, LG e a Xiaomi
Não podemos esquecer que a Sony não é, nem de longe, a primeira gigante dos eletroeletrônicos que cresce os olhos em direção à eletromobilidade e que muitas empresas deste nicho vêm os EVs como uma nova plataforma para venda de seus produtos, já que a Apple, a LG e a Xiaomi cortejam este negócio. O presidente-executivo (CEO) da Stellantis – grupo que tem sob seu guarda-chuvas as marcas Alfa Romeo, Chrysler, Citroën, Dodge, Fiat, Jeep, Lancia, Maserati, Opel, Peugeot, RAM e Vauxhal, entre outras – confirmou que a parceria com a Amazon vai gerar uma receita anual de US$ 4,5 bilhões (o equivalente a R$ 25 bilhões) com serviços de software e assinaturas, só no mercado europeu: “É uma parceria que nos trará equilíbrio”, resumiu Carlos Tavares.
Bom, fato é que, sem detalhar valores ou contratos, a Sony adiantou que já recrutou uma montadora para ajudá-la na parte de manufatura, bem como a Magna International, companhia canadense que produz componentes automotivos e tem entre suas subsidiárias a Magna Steyr; a Bosch, multinacional alemã de engenharia e eletrônica; a Valeo, fornecedora global de toda a cadeia automotiva, e até mesmo uma startup húngara de veículos autônomos, a Almotive, para materializar seu projeto. O Vision-S 02 foi apresentado com motor de 536 cv e sete lugares, mas a gigante japonesa não revelou seu alcance sem necessidade de recarga das baterias – o Model Y, da Tesla, tem autonomia de mais de 500 quilômetros.
Por fim, mais do que confiabilidade, capacitação e conveniência, o SUV elétrico da Sony tem que ter preços competitivos para vingar em um nicho que, hoje, é dominado por nomes de peso. Afinal de contas, se ilude o leitor que imagina esta incursão da marca como uma ação de “branding”. O objetivo aqui e em todo o setor industrial, em nível global, é a lucratividade. Se não houver perspectiva de ganhos, aliás, de ganhos superiores até mesmo aos dos PlayStations da vida, o Vision-S 02 não ganhará as ruas. Simples assim…
Homero Gottardello