Com uma capitalização de mercado de US$ 44,3 bilhões, grupo vale menos do que quando foi formado
A Era Tavares parece estar chegando ao fim e o presidente da Stellantis, John Elkann, já iniciou a busca pelo sucessor do português, cujo contrato termina no início de 2026. Carlos Tavares é o atual presidente-executivo (CEO) do grupo franco-ítalo-americano, com sede na Holanda, e seu manda-chuva desde 2021, quando o conglomerado foi consolidado com a união da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) e a Peugeot-Citroën (PSA). “Ele tomou decisões de curto prazo que, é verdade, impulsionaram os lucros, mas aumentaram sua remuneração pessoal, enquanto reduziram as participações das marcas Jeep, RAM, Dodge e Chrysler, nos Estados Unidos”, aponta o presidente do conselho (NDC) que representa os revendedores norte-americanos da Stellantis, Kevin Farrish. A verdade é que Tavares, por um lado, ocupa a posição de maior visibilidade nesta trinca de presidentes, até porque aparece nas manchetes da imprensa com mais frequência, mas ele não tem, nem de longe, a força de Elkann e Farrish que, juntos, podem fritá-lo num par de meses.
O português é um executivo testado e respeitado no setor automotivo, mas a capitalização de mercado do grupo, durante os três anos de sua gestão, é uma verdadeira gangorra: quando a companhia foi consolidada, em janeiro de 2021, seu valor de mercado era de US$ 50,4 bilhões; em março deste ano, chegou ao pico de US$ 87,9 bilhões e, na semana passada, despencou para US$ 44,3 bilhões. Na prática, a Stellantis vale menos, hoje, do que quando foi formada – só entre janeiro e setembro, suas perdas chegam a 37% – e pouco mais de a metade do que vale a Airbnb, mesmo com suas ações custando 16,5 vezes menos que os papéis da Tesla Motors.
“Há dois anos, os revendedores norte-americanos vêm soando esse alarme, alertando a direção da Stellantis de que o curso que Tavares definiu seria um desastre a longo prazo. E, agora, esse desastre chegou”, protesta Farrish. A companhia não gostou nada das declarações, que repercutiram muito negativamente, mas o todo-poderoso Elkann pôs a cabeça de Tavares a prêmio.
Não há mais clima
O problema enfrentado nos EUA é de fácil compreensão: enquanto o Brasil é, apenas e tão somente, uma vala comum para desova para modelos feitos sob encomenda para o Terceiro Mundo, o mercado norte-americano é o mais rentável para a Stellantis, em nível global. John Elkann, que é herdeiro do industrial Gianni Agnelli (dono da Fiat), presidente e diretor-executivo da holding Exor (maior acionista da Stellantis), está cada vez mais insatisfeito com a situação do grupo na América do Norte. Lá, Tavares implementou um programa de corte de custos que desaguou em disputas judiciais com fornecedores e precarizou sobremaneira a qualidade das marcas Jeep e Chrysler. “Será um processo longo e difícil”, pondera Elkann, reconhecendo que não há mais clima para Tavares seguir à frente da companhia.
Do outro lado do balcão, o brasileiro que, ingenuamente, entra num concessionário Fiat, Jeep, Peugeot ou Citroën para deixar seu suado dinheirinho não faz ideia do clima no alto escalão da Stellantis. “Resolver os problemas, nos Estados Unidos, é a prioridade máxima do grupo, até o final de 2024, e estamos trabalhando dura para encontrar soluções que satisfaçam os revendores”, sublinha a diretora financeira (CFO) Natalie Knight, que terá muito trabalho para limpar os caquinhos que Tavares deixará para trás.
Ela destaca o investimento de mais de US$ 406 milhões (o equivalente a R$ 2,22 bilhões) em três unidades, no Estado norte-americano de Michigan, mas Tavares age na contramão, exigindo cortes orçamentários para proteger a lucratividade, ao mesmo tempo em que põe em risco os fluxos de receita, cortando empregos e reduzindo a capacidade das fábricas, nos EUA. “Com a queda nas vendas, os lucros também caíram pela metade, no primeiro semestre, mas Tavares está vendendo mais ativos e aventando a possibilidade de se livrar de uma ou mais das 14 marcas do grupo para proteger os lucros”, conta o jornalista Vince Bond Jr., setorista da “AutoNews”.
O Conselho de Administração da Stellantis deve se reunir, nos EUA, nos dias 9 e 10 de outubro. Em julho, a empresa reportou uma queda de 48% no lucro líquido do primeiro semestre.
Estamos prontos
No futebol da Stellantis, Carlos Tavares não entra em dividida e prefere outros assuntos a tratar de sua saída do grupo. Seguindo a máxima de que a melhor defesa é o ataque, o executivo assume uma posição de discordância com todo o setor automotivo, diante do pedido de atraso para as novas metas de emissões da União Europeia, que entram em vigor em 2025. “As regras são conhecidas há anos e estamos prontos”, disse Tavares, garantindo que suas marcas estão prontas para cumprirem limites de CO2 pelo menos 15% mais baixos que as regulamentações atuais. “Justo agora, estamos a alguns meses do início, querem mudar os padrões?”, indaga. “Muitas montadoras buscam o adiamento para não perderem dinheiro, já que a margem de lucro dos EVs é menor do que a dos modelos de combustão”, complementa.
Na prática, muitos fabricantes terão que dobrar suas vendas de veículos 100% elétricos, com emissão zero, para alcançarem a nova meta e evitarem multas pesadas. “Com a retirada dos incentivos governamentais em países como Alemanha e França, voltamos à estaca zero, que é como operar de forma lucrativa vendendo EVs”, pondera Tavares. Se o plano do português der certo, ele terá dado uma cartada de mestre, capaz de recuperar seu prestígio junto ao todo-poderoso John Elkann. Já se der errado, sua saída pode até mesmo ser antecipada. É esperar para ver…