A gigante chinesa BYD vai investir R$ 3 bi no País enquanto Tesla, Volks e Mercedes derrapam em incertezas
Ainda existe quem não acredite na virada da eletromobilidade, mas ela já ocorre nos principais mercados do mundo, que são China, Estados Unidos, Europa e Japão. Fingir que isso não está acontecendo, enquanto o setor automotivo tem programados investimentos de US$ 626 bilhões (o equivalente a a R$ 3,35 trilhões) para os EVs, só até 2030, dá no mesmo que esperar uma intervenção extraterrestre capaz de mudar o resultado da eleição presidencial. Ou seja, é preciso ser, ao mesmo tempo, cego e muito alienado em relação a cifras. Fato é que chega a hora de o Brasil, a partir de uma nova agenda ambiental, escolher o caminho que pretende percorrer para a eletrificação da frota, somando esforços para a redução das emissões de carbono em nível global. “A projeção de gastos com energia limpa, no segmento automotivo, subiu 20%. Estamos avançando rapidamente em direção aos veículos de emissão zero e isso não representa apenas a proteção do nosso clima, mas o desenvolvimento econômico e a geração de novos empregos”, garante o vice-presidente o Fundo norte-americano de Defesa Ambiental (EDF), entidade sem fins lucrativos para questões como aquecimento global, restauração de ecossistemas, oceanos e saúde humana, Peter Zalzal.
De acordo com ele, a eletrificação é um caminho sem volta para as principais montadoras, mas o cenário atual se mostra bem diferente para as gigantes europeias e asiáticas do setor automotivo. A Tesla, do trilionário Elon Musk, segue como a mais prestigiada marca de EVs, em nível mundial, mas suas ações acumulam queda de quase 7% e, hoje, têm o menor valor desde 2020. Já Mercedes-Benz teve que reduzir o preço de tabela de seu novíssimo EQS em US$ 33 mil (o equivalente a mais de R$ 175 mil), depois de ele não decolar comercialmente na China, enquanto a Volkswagen adiou em dois anos o lançamento do primeiro EV de seu ambicioso programa “Trinity”, que vai consumir nada menos que US$ 54 bilhões (o equivalente a R$ 288 bilhões) em investimentos.
“As marcas alemãs anunciam metas ousadas de eletrificação e, na base do ‘golpe de goela’, convencem seus investidores que estão liderando a transição, mas não cumprem o que divulgam. Mercedes-Benz e VW têm um longo caminho a percorrer”, assegura o analista Michael Dean, da Bloomberg Intelligence. “A luz vermelha acaba de acender para essas montadoras, que estão despejando recursos para cumprir seus cronogramas de eletrificação em um volume de gastos sem precedentes”, completou. A verdade é que só estas duas montadoras estão investindo 100 bilhões de euros (o equivalente a mais de R$ 550 bilhões), na esperança de manterem uma liderança que vai se liquefazendo e na crença de que terão novas fontes de renda digitais.
Seguir os alemães não parece uma boa opção para o Brasil que, mais do que dar seu primeiro passo rumo à eletromobilidade, precisa tomar uma decisão assertiva. “Do ponto de vista técnico, em termos de estrutura veicular, não tenho dúvidas de que são fabricantes capazes de produzir excelentes EVs. Mas sobre a complexidade e a qualidade necessárias para fazer frente às marcas chinesas, quando o assunto é a eletrônica dedicada, já não tenho tanta certeza, porque estamos falando de veículos em que os softwares fazem a grande diferença”, pontua o chefe global da divisão de consultoria automotiva da Accenture, especializada em tecnologia da informação, Axel Schmidt. Nunca é demais lembrar que, no caso específico da Volks, foi a crise em sua subsidiária de desenvolvimento de softwares, a Cariad, que culminou na demissão do todo-poderoso Herbert Diess – defenestrado em setembro.
500 mil elétricos
Já do outro lado do mundo, na China, só as exportações de EVs para a Europa fecharão este ano na casa de 90 mil unidades – a Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis (CAAM) reportou um volume de exportações de 500 mil unidades, entre janeiro e outubro, só de modelos de novas energias (BEVs). “As marcas chinesas estão consolidando sua posição na Europa e, em 2022, devem alcançar 8% de participação entre os modelos elétricos. Nos próximos dois anos, 800 mil automóveis chineses serão comercializados no Velho Continente, e enquanto os fabricantes da Grande Muralha estão vendendo cada vez mais EVs, na Europa, as gigantes europeias e norte-americanas estão transferindo sua produção para a China”, conta o sócio da área automotiva do escritório alemão da Pricewaterhouse Coopers (PwC), segunda maior rede de serviços empresariais do mundo, Felix Kuhnert. “Os chineses desenvolveram e otimizaram seus produtos no mercado doméstico, de modo que, agora, estão exportando EVs acessíveis e de tecnologia inovadora”.
A requalificação da indústria brasileira passa pela conversão do país em um novo pólo exportador, mas apenas para o leitor ter uma ideia do descompasso entre o mercado brasileiros e os europeu, chinês e norte-americano, a BYD Auto, um dos três maiores produtores de EVs do mundo, estima que, em 2025, as vendas de modelos híbridos e elétricos responderão por apenas 10% do bolo nacional – uma previsão otimista, porque, hoje, essa fatia é de 2,4%. “Estamos no Brasil há dez anos e passamos por muitas mudanças políticas nesse período. Também enfrentamos as flutuações do câmbio e a inflação, mas acho que no longo prazo o país tem suas vantagens. Acredito que a posse do presidente Lula, em 1º de janeiro, representará um novo momento ambiental, ideal para investimos em novas tecnologias”, avalia a presidente da subsidiária Américas da gigante chinesa, Stella Li.
Em outubro, a BYD assinou um protocolo de intenções com o governo da Bahia, visando a produção de EVs na área industrial deixada pela Ford, em Camaçari. A montadora cogita investir R$ 3 bilhões em três linhas de montagens (para carros de passeio, caminhões e ônibus elétricos) e para processamento de lítio usado na produção de baterias, que seria exportado para a China. “Temos um novo governo que deseja incentivar o setor e modernizar a indústria automotiva brasileira. Também temos disponibilidade de matéria-prima para baterias, mas uma decisão que me permita detalhar este plano só deve ser tomada no final de dezembro”, pondera Stella.
Os novos Song (híbrido plug-in) e Yuan (100% elétrico) são, ao mesmo tempo, iscas jogadas para testar a demanda do mercado nacional, bem como uma espécie de expedicionários que darão subsídios para a tropicalização de uma eventual e futura linha “made in Brazil”. Ambos desembarcam por aqui no mesmo mês em que o veterano Gol dá seu adeus comovido, quando, na verdade, sua descontinuação é uma excelente oportunidade, nem que seja simbólica, para a indústria nacional sair da Idade de Pedra, em termos de eletromobilidade.
Polônia criou o Electro Mobility
Na ex-socialista Polônia, a solução política encontrada para fomentar a indústria automotiva local foi a criação de um programa estatal – parece piada, mas não é. A Electro Mobility Poland (EMP) foi constituída a partir de companhias públicas do setor de energia, há sete anos, como uma solução doméstica para a virada da eletromobilidade. Na época, o primeiro-ministro Mateusz Morawieck previu que, “até 2025, o país teria uma frota de um milhão de EVs”, o que – é verdade – está muito longe de ser alcançado dentro do prazo previsto. Mas o primeiro modelo 100% elétrico deste programa está praticamente pronto e terá paternidade chinesa, já que a Geely Automobile foi fornecer sua plataforma SEA para dar vida ao Izera. “É um acordo que permite à Polônia um avanço rápido, abrindo oportunidades no segmento dos EVs”, destaca o diretor executivo da gigante chinesa, Daniel Donghui Li.
A expertise dos chineses na produção de modelos elétricos é tudo que o Brasil precisa para reinventar o setor que foi o mais pujante de sua indústria, durante três décadas. “A base SEA compreende todas partes mecânicas e eletrônicas que, até agora, eram usadas apenas por marcas do grupo Geely. Portanto, o início da produção do Izera, na fábrica da EMP em Jaworzno, é um passo importantíssimo para a Polônia assumir seu papel na nova indústria automotiva europeia”, acrescentou Li.
O leitor pode estar se perguntando por que o Brasil seguiria o exemplo polonês, que só dará seu primeiro fruto em 2024 e a resposta para esta indagação é simples: “um EV totalmente novo será desenvolvido e fabricado, recrutando uma nova força de trabalho que será qualificada, agregando valor à cadeia automotiva local, em que pequenas e médias empresas que atuam como subfornecedoras são dominantes”, explica o analista da Fundacja Promocji Pojazdów Elektrycznych (Fundação polonesa para Promoção de EVs), Rafał Bajczuk. “Também estamos criando uma nova situação, já que o governo federal assumiu o financiamento de todo o capital social da EMP – de o equivalente a R$ 165 milhões – e a recapitalizou com outros 55 milhões de euros (o equivalente a mais de R$ 300 milhões)”, detalha Bajczuk.
Como se pode ver, a hora de tomarmos um rumo – certeiro – na bifurcação da eletromobilidade, senão, ficaremos presos ao mesmo “Pleistoceno” industrial em que, hoje, estamos aferrados…