Brasil é o 73º país da nova gigante chinesa; marca produz 2,5 milhões de veículos por ano

Entre o final de maio e o início de junho, a Guangzhou Automobile (GAC) inicia suas operações comerciais no Brasil
A paranóia delirante que adoeceu muita gente nos últimos anos, criando um verdadeiro pavor em relação ao comunismo – isso mesmo, “aquele” sepultado em 1989 com a queda do Muro de Berlim – ganhará seu capítulo automotivo tupiniquim, em breve. Entre o final do mês que vem e o início de junho, a Guangzhou Automobile (GAC) inicia suas operações comerciais no Brasil, ao que tudo indica com o lançamento de quatro EVs e um modelo equipado com motor a combustão interna. Para o leitor que não conhece a GAC, trata-se de uma montadora estatal da China (você leu estatal) que, hoje, produz mais de 2,5 milhões de veículos anuais, número que será dobrado até 2030, quando a companhia pretende atingir um volume comercial de cinco milhões de unidades – apenas para comparação, a Toyota, maior fabricante do mundo, vendeu nove milhões de unidades, em 2024, enquanto a vice-líder global, a Volkswagen, fechou o mesmo período com 4,9 milhões de unidades.
Mais do que uma gigante industrial, a GAC é uma montadora que está na linha de frente do desenvolvimento da condução autônoma. Há exatamente um ano, sua parceria com a Didi Global, maior empresa chinesa de transporte por aplicativo, recebeu licença comercial como a primeira joint venture atrás da Grande Muralha para produção em massa de robotáxis elétricos totalmente autônomos – em 2025, essa expertise será estendida para um e-SUV. “É um fabricante ambicioso e cuja ambição tanto em relação aos EVs quanto em relação aos Níveis 3 e 4 de direção autônoma está sendo exibida sem véus”, destaca o analista britânico Andy Palmer, fundador e presidente-executivo (CEO) da consultoria Palmer Automotive, considerado internacionalmente como o “Pai dos EVs” pelo desenvolvimento do Nissan Leaf, em 2010. “Os chineses têm planos de expansão que não serão contidos”, acrescenta.
Há apenas dois anos, a companhia constituiu a GAC International, seu braço intercontinental, que neste curto período já atua em 72 países do Oriente Médio, Sudeste Asiático, Leste Europeu, África e Américas. Desde 2017, a montadora opera sua planta digital para veículos de novas energias (NE) com capacidade de produção de 400 mil unidades anuais, um modelo de inteligência artificial (IA) e conexão com foco em qualidade, personalização e cuidado ambiental, a primeira do mundo a utilizar a tecnologia de rebitagem de alumínio e soldagem a ponto numa linha de produção “híbrida” – o Aion S, sedã elétrico com até 610 quilômetros de alcance sem necessidade de recarga das baterias, que custa o equivalente e R$ 119,4 mil, possui estrutura híbrida com aço de alta resistência e uma parte inferior da carroceria em liga de alumínio, que garantem segurança e leveza referenciais.

O Aion Y Plus tem tudo para ser o carro-chefe de vendas da GAC no Brasil: o modelo, um crossover que mescla características de um monovolume e de um SUV
Produção local
“Ainda precisamos entender melhor os mercados externos, mas, em termos gerais e a longo prazo, acreditamos que a produção local é a chave para sermos competitivos”, pontua o gerente geral da GAC International, Wei Heigang. Em outras palavras, a chegada do quinteto – ou apenas de um trio ou quarteto – da marca ao Brasil terá, sobretudo, a missão de testar o mercado para uma futura nacionalização. Isso acende o sinal de alerta para as montadoras europeias que, apesar de viverem choramingando, conseguiram aumentar sua participação conjunta no mercado brasileiro (carros de passeio e comerciais leves), de 45% para 50%, na última década. Isso, no entanto, deve mudar porque, no além-mar, a conjuntura é bem diferente: Volkswagen, Stellantis, Mercedes-Benz e BMW, citando os maiores grupos continentais, vêm cortando na própria carne e reduzindo previsões de lucro seguidamente, sofrendo com a falta de competitividade em relação aos EVs made in China.
O leitor que acompanha os números do mercado nacional lembra que, em 2015, o nome BYD era completamente desconhecido dos brasileiros. Há dez anos, a marca chinesa de maior penetração no país era a JAC, com uma fatia mínima de 0,2%. Hoje, apenas uma década depois, a BYD já abocanha 5,3% do bolo entre os carros de passeio, aparecendo na nona posição entre as marcas de maior volume, no país – Chery e GWM vêm, respectivamente, em 11º e 13º lugares, ensanduichando a Citroën, que aparece na 12ª posição. Em relação à Chery, por exemplo, sua participação no mercado nacional cresceu quase 13 vezes nos últimos dez anos (de 0,25% para 3,2%), enquanto a da Citroën foi de 1,2% para 1,8%.
Entre os lançamentos, o Aion Y Plus tem tudo para ser o carro-chefe de vendas da GAC no Brasil: o modelo, um crossover que mescla características de um monovolume e de um SUV, tem 4,53 metros de comprimento (33 cm maior que o T-Cross, da Volkswagen), motores 100% elétricos de 136 cv e 201 cv, além de autonomia de até 490 quilômetros sem necessidade de recarga das baterias. O modelo homologado para o mercado nacional é o menos potente e sua autonomia, dentro dos parâmetros do Inmetro, é de 318 km. No México, onde a versão de 201 cv está disponível pelo equivalente a R$ 150 mil, o Aion Y Plus traz tudo o que a VW disponibiliza, só que como item de série, além de outros mimos, como as câmeras com visão de 360°, a iluminação interna configurável, bancos e acabamento em couro (sintético, frise-se). Mas é no capítulo eficiência que o lançamento da GAC sobressai, com um consumo – de eletricidade – entre o equivalente a 64,1 km/l e 69,9 km/l de gasolina, contra 12,1 km/l a 14,5 km/l do T-Cross.
Hoje, a GAC tem 30ª maior capitalização de mercado do setor automotivo mundial, com um valor de US$ 11,2 bilhões (o equivalente a R$ 65 bilhões), à frente da JAC (31ª, com US$ 10,3 bi), da Nissan (36ª, com US$ 7,8 bi), Leapmotor (39ª, com US$ 6,7 bi), Volvo Car (40ª, com US$ 5,3 bi) e Mitsubishi Motors (45ª, com US$ 3,4 bi), entre outras. “As questões comerciais são muito afetadas pelas tarifas e, apesar de nosso projeto estar em estágio inicial, não descartamos as possibilidades de construção de fábricas locais ou de uma parceria fabril com outra montadora já instalada”, explica Heigang, da GAC International. “Há sempre uma maneira de superarmos essas barreiras no longo prazo”, complementa.
Traduzindo, o neoliberalismo predatório das marcas tradicionais, que foram capturadas pela financeirização, terá que se desdobrar para evitar a capitulação diante de uma concorrência chinesa que, além de estar cada vez mais qualificada e bem mais avançada, tanto em relação à virada da eletromobilidade quanto em relação às tecnologias de direção autônoma, trabalha com um cronograma “budista”. Tudo aponta para uma inversão completa no ranking brasileiro, nos próximos dez anos, com BYD, GAC, Chery, Geely e outros nomes, hoje desconhecidos, tomando a ponta das vendas nacionais. Nunca é demais lembrar que, ao contrário de importadores de marcas pequenas e sem uma gama adequada para mercado mundial, a GAC é uma montadora maturada pela concorrência europeia e que tem por trás um suporte estatal titânico, praticamente imune a turbulências políticas e econômicas.