Conjuntos de fosfato de ferro-lítio (LFP) são chamados de lítio”, mas têm menor alcance e densidade de energia

A Volkswagen espera que só as baterias aumentem seus custos em quase US$ 35 bilhões (o equivalente a mais de R$ 165 bilhões), mas há quem, em um cenário distópico como o atual, ainda acredite em divindades, em políticos e até mesmo nos “benefícios” do crédito bancário. O problema se agrava quando o sujeito chega a acreditar no que prega um impostor do nível de Elon Musk, uma espécie de profeta da revolução verde e semideus do empreendedorismo. Se Musk tem um talento inato, este é o de dobrar as pessoas, com sua lábia, como se elas fossem de papel. Seus Tesla guardam sob o assoalho um pacote de baterias de íon de lítio e, disso, ninguém duvida. O que quase ninguém sabe é que “íon de lítio” é a denominação genérica para óxido de cobalto, manganês, níquel e lítio (NMC). Mas o que o leitor sequer imagina, já que a eletromobilidade é ficção científica, em Pindorama, é que esta tecnologia já está sendo subvertida pelo capital: “As baterias de fosfato de ferro-lítio (LFP) são uma alternativa mais barata às NMC e, na corrida química dos veículos elétricos (EVs), são mais interessantes economicamente para as montadoras, mesmo que ofereçam menor alcance”, revela o analista de propulsão alternativa da consultoria Auto Forecast Solutions, Conrad Layson. De acordo com ele, este modelo vem ganhando expressão, no mercado chinês, com um custo 30% inferior e a promessa de maior vida útil. “Do ponto de vista de quem compra um EV, esta opção representa perdas, mas não sabemos como os consumidores irão reagir, até ela ser implementada na Europa e nos Estados Unidos”, avalia.

Chegando até aqui neste texto, o amigo mais afobado vai pensar que, obviamente, a China está por trás desta precarização, afinal de contas, lá, a maioria do trabalho é escravo e as pessoas comem espetinho de rato para não morrerem de fome – ledo engano. “Os Model 3 feitos pela Tesla em sua fábrica de Xangai já são equipados com baterias LFP, fornecidas pela Contemporary Amperex Technology (CATL). Aqui, nos EUA, também veremos este tipo de conjunto substituir o NMC, na fábrica de Austin”, prevê Layson. Os preços da gama, é claro, são mantidos, mas antes que o leitor tenha um rompante de raiva, diante da piora do produto que ocorre em segredo, é bom lembrar que o Dacia Spring, vendido no Brasil como Kwid E-Tech, é equipado com esta mesmíssima tecnologia – e sua autonomia é de menos de 300 quilômetros.

De qualquer forma, não há razão para brigas, já que as baterias LFP estão, sim, sob o guarda-chuva da denominação “íon de lítio”. Todavia, é o sistema NMC que conta com maior densidade de energia e que garante maior alcance para um EV, sem necessidade de recarga – sobre isso não se discute. A Tesla anunciou a mudança das baterias NMC para LFP no seu relatório do terceiro trimestre de 2021, mas só para seus acionistas. “Musk está muito preocupado com a cadeia de suprimentos a longo prazo e não vê solução para a oferta de níquel e cobalto, de modo que sem um aumento da produção minerária, os preços destes insumos vão se desestabilizar”, explica o diretor executivo da NAATBatt, que reúne associações e instituições de pesquisa que comercializam tecnologia avançada de armazenamento de energia eletroquímica, Jim Greenberger. Não é à toa que a CATL estuda investir nada menos do que U$ 5 bilhões (o equivalente a R$ 24 bilhões) para construir uma nova fábrica, nos Estados Unidos, para fornecer baterias LFP à Tesla e outras montadoras.

Mas é o consumidor?

Bom, o mais provável – para não dizer certo – é que ele acabará pagando o pato ou, como gostam de dizer os economistas, suportando os custos. É que com a transição energética da qual o brasileiro sequer dá notícia, as peças vão mudar no xadrez dos suprimentos. “O mercado de lítio entrará em déficit, já em 2025, e o metal será ultrapassado pelo cobalto, em termos de oferta. O problema é que este primeiro produz baterias que duram mais, carregam mais rápido e garantem maior potência”, enumera o vice-presidente de tecnologia (CTO) da Addionics, Vladimir Yufit.

“Na prática e em termos de mercado, o mais provável é que as marcas ofereçam seus modelos em versões com maior e menor autonomias, equipando-os com baterias NMC e LFP, respectivamente”,

tecnologias e, neste momento, o mais importante para a cadeia de suprimentos é sua capacidade de minerar e processar estes metais”, acrescentou Yayoi.

Prática desleal toma forma

Ou seja, enquanto a questão dos custos aperta o calo da indústria automotiva, uma prática desleal vai tomando forma: substituir as baterias NMC, mais caras, por pacotes LFP, mais baratos, mantendo-se os preços de tabela dos EVs. Com a maioria dos compradores anestesiada pela publicidade, a aposta das marcas é que pouquíssima gente se dará conta de que, a partir de uma certa hora, estará “levando gato por lebre”. E para os que perceberem a fraude, haverá a possibilidade de pagar um pouco mais para ter aquilo que, até semana passada, era ofertado como o básico. “Não acredito que os norte-americanos estejam dispostos a aceitar uma redução na autonomia de seus EVs. As pessoas estão habituadas a abastecerem seus carros convencionais em cinco minutos, no máximo, e isso as faz resistentes a uma redução no alcance de um modelo elétrico”, pontua Conrad Layson, da Auto Forecast Solutions.

Como se pode ver, há um grande esforço para o desenvolvimento e a viabilização de sistemas capazes de dar suporte para a virada da eletromobilidade, cujo gargalo regulatório está previsto para 2035. Mas enquanto gigantes dos setores automotivo e de energia investem trilhões de dólares nesta busca, gerando milhões de empregos, o Brasil segue dormindo em berço esplêndido. “Independentemente daquilo que é usado, na China, e do que é utilizado, nos Estados Unidos, não creio que esta é uma disputa que terá vencedor, porque a guerra química entre as tecnologias NMC e LFP será resolvida justamente por aquilo que cada uma delas tem de melhor e pior”, avalia o presidente-executivo (CEO) da canadense Nano One Materials, Dan Blondal. “As limitações das baterias LFP são as seguintes: 60 kWh de potência e autonomia para, no máximo, 400 quilômetros”, completou Blondal.

No Brasil, não se toca neste assunto, mas quando se trata de densidade energética falamos de uma característica que afeta a autonomia e as baterias LFP têm desvantagens. Com uma densidade equivalente a 65% e 70% da das NMC, seu tamanho tem que ser um terço maior para alcançarem a mesma autonomia, sofrendo, ainda com autodescarga, o que causa problemas na medida em que vão envelhecendo. São desvantagens inequívocas, mas que, ao que tudo indica, serão engolidas sem azeite pelo consumidor.

Como não me canso de dizer, a vida do tupiniquim, em sua ignorância de tudo o que se passa no além-mar, é uma tranquilidade sem fim, um sossego perpétuo…