Gigante dos smartphones entra de cabeça no mercado de automóvel, carro vai custar menos de R$ 210 mil

A maioria dos brasileiros virou o ano sem perceber o lançamento mais importante da indústria automotiva no século 21, pelo menos até agora. Trata-se do SU7, sedã grande que marca o ingresso da Xiaomi – um dos cinco maiores fabricantes de smartphones do mundo – no mercado de automóveis. “Este é apenas o pontapé inicial de um plano que vai, nos próximos 15 anos, colocar nossa empresa entre as mais importantes montadoras do mundo, competindo de igual para igual com a Tesla, dentre outras”, disse o bilionário chinês, cofundador e presidente-executivo (CEO) da gigante dos ‘gadgets’, Lei Jun. Há exatamente um mês, Jun passou nada menos do que três horas diante de uma enorme plateia, no Centro Nacional de Convenções, em Pequim, para cumprir a promessa que fez em 30 de março de 2021, quando anunciou a entrada da Xiaomi no segmento automotivo. “Hoje, exatos 1.003 dias depois, tenho o orgulho de anunciar que o SU7 começa a ser produzido, no segundo semestre de 2024, em duas versões, ambas com a mesma qualidade de um Porsche”, acrescentou.

Antes de dissecarmos este lançamento, é importante o leitor ter em mente que a Xiaomi Auto não pode ser comparada à Envemo, à Souza Ramos ou à JPX. Com uma capitalização de mercado de US$ 41,5 bilhões (o equivalente a R$ 290 bilhões), estamos diante de uma marca de automóveis que já nasce como uma das 11 maiores companhias do setor, em nível mundial, maior do que Nissan, Subaru e Renault somadas. Não bastasse seu capital bilionário, o braço automotivo da Xiaomi conta com o suporte titânico da Beijing Automotive (BAIC), estatal chinesa que vai produzir o lançamento e que, por sua própria constituição, é imune a crises, ao humor dos acionistas e aos caprichos dos CEOs.

Posto isso, vamos então aos dados técnicos do Xiaomi SU7 – a denominação SU vem de ‘Speed Ultra’ –  que são, inegavelmente, impressionantes: 4,99 metros de comprimento, 1,93 m de largura, 1,45 m de altura e uma distância entreeixos de exatos 3,00 m. Em termos comparativos, ele é 3 cm maior e 7 cm mais alto que o Porsche Taycan, que é o carro-chefe da marca de Stuttgart, entre os EVs. O chinesão ainda leva vantagem leva vantagem de 10 cm na distância entreeixos e, em que pese o fato de ser 3 cm mais estreito que o Taycan, seu porta-malas de 517 litros tem capacidade volumétrica quase 30% superior à do Porsche. Traduzindo: é maior por fora e mais espaçoso, por dentro.

Em termos de performance, o novo SU7 impressiona desde a versão “básica”, com tração traseira. Seu motor elétrico de 220 kW (o equivalente a 299 cv) tem torque instantâneo de 40,8 mkgf, levando o grandalhão de duas toneladas de 0 a 100 km/h em 5,2 s, com alcance de mais de 600 quilômetros sem necessidade de recarga das baterias. Este modelo opera com arquitetura elétrica de 400 volts, mas o topo de linha, denominado Max, conta com tração integral e traz arquitetura de 800 V, além de dois motores que geram potência combinada de mais de 670 cv e torque “cavalar” de 51 mkgf, para acelerar de 0 a 100 km/h em 2,7 s (são necessários apenas 10,6 s para ele ir da imobilidade a 200 km/h) e atingir uma velocidade máxima de 265 km/h!

Estilo e recarga

Não bastasse a performance superior à de muitos modelos da Porsche (nominalmente, ao Taycan Turbo, igualando os números do Turbo S), o Xiaomi SU7 Max é equipado com o pacote de baterias Qilin NMC, da CATL, que garante autonomia de 800 km – mais que o dobro de qualquer versão do Porsche. Mais impressionante ainda, o conjunto de 101 kWh pode ser recarregado num “piscar de olhos”: em reles 5 minutinhos, são 220 km a mais de alcance; em 10 min, são 390 km e, em 15 min, 510 km a mais. Já em termos de estilo e tecnologia, melhor segurar o queixo para não ficar de boca aberta. O chefe de design da Xiaomi, Li Tianyuan, foi recrutado junto à BMW – onde assinou o carro-conceito iVision Circular, o iX e o novíssimo Série 7. Já o designer é ninguém menos que James Qiu, que veio da Mercedes-Benz depois de assinar o futurista Vision EQXX. Para além das linhas externas, seu coeficiente de arrasto (Cx) de 0,195 fala por si só: é o menor dentre todos os modelos de produção em nível mundial.

Por dentro, o Xiaomi SU7 traz uma tela de 1,7 polegadas, para as funções do painel de instrumentos, além de um grande visor frontal, de 16,1 pol e resolução 3K. Na parte de trás dos encostos de cabeça dianteiros há duas telas adicionais para quem viaja no banco traseiro – na verdade, são dois tablets Mi Pads da própria marca que, opcionalmente, podem ser substituídos por iPads, da Apple. As funções de navegação podem ser exibidas em um ‘head-up display’ (HUD) de 5,6 pol – e não 56 pol como alguns sites e até revistas vêm informando, erroneamente. O sistema operacional do cockpit, HyperOS, é alimentado por um chip Qualcomm Snapdragon 8295, e as funções autônomas de condução (Xiaomi Pilot), são alimentadas por dois chips Nvidia Orin-X com capacidade de processamento de 508 TOPs.

Pode parecer bravata, mas até mesmo na parte industrial – quem diria?!? – a Xiaomi está à frente dos alemães, já que a linha de produção que vai usar conta com uma gigaprensa de 9.100 toneladas, semelhante em conceito e capacidade à usada pela Tesla. “Damos boas-vindas à Xiaomi, pela forma com que qualifica a indústria automotiva chinesa e lhe desejamos excelente vendas, em 2024”, publicou ninguém menos que o CEO da XPeng, He Xiaopeng, em sua conta do Weibo, rede social com mais de 605 milhões usuários mensais, só atrás da Grande Muralha – apenas para efeito comparativo, os números globais do Twitter ou ‘X’ são de 530 milhões de usuários “monetizáveis”. Em outras palavras, o lançamento arrancou elogios da própria concorrência, o que é inusual.

Sistema LiDAR e preço

Por falar em qualificação, o Xiaomi Pilot que equipa o novo US7 tem como base um sistema LiDAR com 11 câmeras de alta-resolução e outros 12 radares supersônicos (com ondas de 3 mm). Até o final deste ano, ele estará apto para dirigir sozinho em mais de 100 metrópoles chinesas, espelhando todos os ‘gadgets’ da marca – o Mi Watch, o Mi Band, o Mi Home e até mesmo o aspirador de pó Mi Robot, além de dispositivos da própria Apple. “Também gostaria de prestar minha homenagem à BYD, à Li Auto, Huawei e à própria Xpeng pelo pioneirismo, mas, como se deve imaginar, não nos tornaremos a quinta maior montadora do mundo, em um prazo de 15 anos, vendendo um EV como este por 140 mil yuans ou menos de US$ 20 mil”, adiantou o CEO da marca, Lei Jun, frustrando aqueles que esperavam um automóvel tão acessível quanto um smartphone.

A imprensa especializada chinesa aposta que o Xiaomi SU7 terá preço inicial de menos de 300 mil yuans, o que daria algo em torno de US$ 42.500 ou inacreditáveis R$ 210 mil – valor 40% inferior ao de um Compass S 4xe, da Jeep. Se levarmos em conta que, na China, o Tesla Model S parte de 699 mil yuans e o Porsche Taycan, de 898 mil yuans, estamos falando de um supersedã elétrico que, pelo menos em tese, tem tudo para pulverizar tanto o modelo norte-americano, cujas vendas já andam em queda por lá, quanto o alemão.

Definitivamente, este superEV prova que os mais tradicionais grupos automotivos do mundo, companhias ocidentais que deram as cartas durante décadas, algumas por mais de um século, têm mesmo razão para estarem alarmadas. Enquanto seus produtos são precarizados, colecionando reprovações até mesmo em ‘crash tests’, a indústria chinesa começa a engoli-las de dentro para fora. Ou seja, as marcas tradicionais que se instalaram atrás da Grande Muralha, há 20 anos, e mantiveram a lucratividade de seu negócio, explorando aquele que se tornou no maior mercado do mundo, agora vêm suas fatias diminuírem por lá, ao mesmo tempo em que tentam blindar seu negócio, na Europa e nos EUA, clamando por barreiras alfandegárias para os EVs “made in China”.

É uma disruptura completa, mas, depois de as marcas ocidentais nos venderem tanto lixo e com a empáfia que só os mais prepotentes ostentam, não há como esconder um certo prazer em vê-las naufragarem…