Sistema é “a grande cartada”: a China já tem 24 mil estações de troca
O brasileiro é, realmente, um sujeito que precisa ser estudado. É que quanto mais precária se torna a vida, em Pindorama, mais delirante o sujeito que foi empurrado para trás do volante de um Uber se torna. No início desta semana, fiquei surpreso com o comentário de um motorista de aplicativo, acreditando – ele, não eu – que, se comprasse um veículo elétrico (EV) para substituir seu Hyundai HB20, as recargas das baterias seriam gratuitas. Por mais absurdo e até mesmo lisérgico que isso possa parecer, ele tem plena convicção de que a eletricidade usada por um EV, em substituição à gasolina ou o etanol de um automóvel convencional, equipado com motor a combustão, é um bônus para seu comprador. Amedrontado com a ignorância do rapaz, preferi o silêncio a indagá-lo se, por um acaso, energia elétrica, agora, dá em árvore. É por isso que digo que a imbecilização que se abateu sobre nossa sociedade nada mais é do que o meio pelo qual a rapina irá se operar, de agora para frente, cada vez mais descaradamente. Temos o que merecemos, mas, longe daqui, existe quem faça uma projeção bem mais realista sobre o futuro.
Na China, por exemplo, as montadoras NIO e Geely, juntas com a desenvolvedora Aulton New Energy e petrolífera estatal Sinopec, vão ampliar a rede nacional de troca de baterias, que hoje conta com 1.400 pontos, para nada menos que 24 mil estações de substituição, nos próximos três anos. Lá, onde o fantasma do comunismo não assombra ninguém, o governo vem apoiando os conjuntos intercambiáveis como uma alternativa aos terminais de recarregamento. “Para o usuário, a rápida substituição das baterias significa economia de tempo, já que os a recarga é demorada. Para a rede, isso reduziria a demanda do sistema, eliminando o risco de sobrecarga principalmente nos horários de pico”, explica o diretor administrativo da consultoria de gestão e inovação Sino Auto Insights, Tu Le.
E enquanto o brasileiro sonha em juntar R$ 200 mil para comprar um ‘SUVinho’ em descontinuação, no além-mar, as empresas estrangeiras de tecnologia atraem investidores com esta nova alternativa. Longe da China, mas perto da realidade, a norte-americana Ample acaba de conseguiu um aporte de US$ 275 milhões (o equivalente a quase R$ 1,4 bilhão), que elevou seu valor de mercado para US$ 1 bilhão (o equivalente a R$ 5,05 bilhões). Entre os investidores, gigantes do setor como a Shell e a Repsol que vêm no Battery Swapping modular um negócio promissor. “A troca de baterias é um conceito conveniente, econômico e até mesmo lógico, que será reproduzido na Europa e nos Estados Unidos”, disse o diretor de política e negócios internacionais da empresa, Levi Tillemann. “Não é um fenômeno exclusivamente chinês”.
Neste momento, os maiores clientes da Ample são frotistas. “Temos projetos-piloto com a Uber a startup de locação de veículos Sally. Posso garantir que, mesmo com um número relativamente pequeno de EVs, implantamos nosso sistema de troca e garantimos maior lucratividade para nossos parceiros”, afirmou Tillemann que, sem citá-las nominalmente, acrescentou que já trabalha com “várias montadoras”.
De volta à China, em 2008, durante os Jogos Olímpicos de Pequim, 50 ônibus elétricos da Wanxiang eram equipados com baterias substituíveis, o que despertou o interesse de ElonMusk pelo sistema. Cinco anos depTroca em 180 segundosois, em 2013, a Tesla passou a oferecer um serviço de troca dos pacotes para o Model S – que, inclusive, foi projetado para acomodar baterias intercambiáveis – mas o programa foi aposentado, sem alarde, em 2015. Um dos grandes defensores deste conceito é o Ministério da Indústria chinês (MIIT), que o vê como solução para desafogar a demanda por recarga de seis milhões de EVs, já em 2025, quando a eletrificação da frota deve alcançar 25% dos zero-quilômetro.
A ContemporaryAmperex Technology Company (CATL), maior fabricante de baterias automotivas do mundo, com sede em Ningde, desenvolve serviços de troca não apenas para o mercado doméstico, mas para atender a demanda global. “Hoje, fornecemos pacotes e células para mais de 30% dos EVs em circulação, em todo o mundo, e o que podemos adiantar é que acumulamos uma boa experiência em relação a este conceito”, destacou o copresidente europeu da companhia, MatthiasZentgraf. Já a NIO, que acaba de inaugurar sua primeira estação de troca de baterias, na Europa, também irá ofertar essa opção nos Estados Unidos. “Hoje, possuímos 800 estações deste tipo, na China, e pretendemos oferecer o serviço de substituição de baterias, no mercado norte-americano, a partir de 2025”, adiantou o chefão da marca para os EUA, GeneshIyer. A China encabeça um grande esforço para superar a relutância dos fabricantes em abandonarem seus projetos de desenvolvimento de baterias, para a adoção de um padrão intercambiável, que serviria todo o setor e, em última razão, flexibilizaria o mercado.
“Como as marcas irão diferenciar seus produtos? Você nunca conseguirá que as gigantes do setor concordem em adotar baterias substituíveis”, avalia o ex-presidente-executivo (CEO) da Aston Martin e atual presidente da Switch Mobility, Andy Palmer. General Motors, Volkswagen e Tesla são uníssonas em afirmar que este conceito “não faz parte” de suas estratégias. “Nós monitoramos e avaliamos este ambiente, que é muito competitivo, e consideramos que baterias intercambiáveis como alternativa para evitar os tempos de espera para recarga não é o melhor caminho a seguir, até porque os avanços no carregamento rápido e o custo mais baixo dos pacotes fixos, que não podem ser substituídos em estações, apontam em outra direção”, pontua Frank Blome, que dirige o Centro de Excelência de Baterias da VW.
Bom, parece que Blome ainda não teve ciência de que a NIO conseguiu reduzir o tempo de substituição de um conjunto para 180 segundos, ou seja, três minutos, contra um tempo médio de recarga que nunca é inferior a 30 minutos e pode se estender a oito horas.
Investimento de R$ 14 bilhões
O MIIT chinês quer 1.000 estações de troca para carros de passageiros, veículos comerciais e pesados, até 2023, distribuídas em 11 cidades do país. Apesar da incerteza sobre quantos fabricantes por trás da Grande Muralha adotariam baterias padronizadas, a CATL afirma que pode, sim, estender seu fornecimento para todas as montadoras chinesas. “Pequim pode, simplesmente, exigir baterias substituíveis para os EVs produzidos localmente e isso não deixaria escolha para as marcas internacionais, já que elas dependem diretamente das vendas domésticas para custear a virada para a eletromobilidade”, avalia o professor John Helveston, da Faculdade de Engenharia da Universidade George Washington. “Eles seriam obrigados a se adaptar, até para permanecerem na disputa, em solo chinês. Basta que Pequim diga: ‘o único modelo elétrico que vocês podem produzir são os que atendem este novo padrão’ e estará posto”, acrescentou.
A Sinopec pretende instalar 30 mil estações de troca de baterias em seus postos de combustíveis, na China, ao mesmo tempo em que a Auton, que tem sede em Xangai, já trabalha no desenvolvimento de células padronizadas para diversas marcas. “Esta é a grande cartada da eletromobilidade, neste momento, mas o baixo custo do serviço é fundamental para o negócio se consolidar”, avalia Tu Le, da Sino Auto Insights. Como se vê, é uma realidade muito distante da nossa, onde o etanol – cada vez mais caro em relação à gasolina – segue sendo alardeado como o grande elemento de inserção do Brasil na nova ordem automotiva mundial.
Apenas para o leitor ter uma ideia do descompasso entre o Brasil e o resto do mundo, no que tange à eletromobilidade, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) divulgou no mês passado uma estimativa para o investimento de R$ 14 bilhões para a instalação de 150 mil pontos de recarregamento no país, até 2035, quando a remessa de lucros das montadoras aqui instaladas para suas matrizes, em 2021, foi de US$ 800 milhões (o equivalente a R$ 4 bilhões). Frise-se que a remessa de lucros é a razão de existir das companhias instaladas no país e que, nos últimos seis anos, elas perderam em US$ 32 bilhões (o equivalente a R$ 160 bilhões), por aqui.
Esperar essa iniciativa do nosso depauperado governo federal, que nem regulação para o setor tem, é uma grande ilusão e achar que a iniciativa privada, que não deu as caras durante as construções da Ponte Rio-Niterói e da Usina de Itaipu, só para citar dois exemplos, vai matar essa bola no peito e chutar para gol, o mesmo que imaginar que do cruzamento de um jabuti com o arame farpado nasce um ouriço. Seguimos cada vez mais dependentes do capital estrangeiro e é por isso que, por aqui, a escravidão se perpetua pela estupidez e pela cretinice, mesmo 134 anos depois da sua abolição.