Como diria o imortal Nelson Rodrigues, hoje, até os paralelepípedos da rua sabem que Elon Musk é um embusteiro, um fanfarrão, um moleque que fez a maior fortuna privada do mundo na base da goela, vendendo sonhos até mesmo para os acionistas da Tesla. O poder de persuasão do figurão, que – sabe-se lá como – cativa e influencia gente endinheirada da altíssima roda, será testado agora nos tribunais norte-americanos. “Musk violou, materialmente, o acordo que tinha com o Twitter e o descumprimento do pactuado em contrato – uma oferta de US$ 44 bilhões, o equivalente a quase R$ 240 bilhões – fica evidente em cada uma de suas novas postagens”, declarou à Bloomberg o presidente-executivo (CEO) da rede social, ParagAgrawal, citando 13 tweets do magnata da eletromobilidade. Assim que a declaração de Agrawal foi repercutida, o próprio Musk fez outro tweet, desta vez com o emoji de cocô como resposta – coisa de gente ordinária.
A batalha judicial que se anuncia pode deixar o mandachuva da Tesla em maus lençóis, já que o Twitter é seu principal canal de comunicação e sua marca perdeu, no início deste mês, a liderança global entre os modelos verdes (NEVs), classe que reúne os 100% elétricos, os híbridos plug-in e os movidos a hidrogênio, para a gigante chinesa BYD Auto – mais à frente, detalharemos os números.
Esta não é a primeira vez que os tweets de Musk lhe rendem problemas legais, mas, até agora, o dinheiro dos acionistas da Tesla acabou comprando bons acordos judiciais. O problema é que uma conciliação, agora, pode custar mais do que ele, efetivamente, tem. “Musk montou um verdadeiro espetáculo para comprar o Twitter, propôs e assinou um acordo de fusão, mas, aparentemente e ao arrepio de todas as partes sujeitas à legislação contratual, acha que é livre para mudar de ideia ao seu bel-prazer, rasgando o acordo, promovendo dolosamente a queda nova valores das ações da rede social e que, depois disso, pode virar de costas e ir embora”, pontua o presidente da mesa diretora do Twitter, Bret Taylor.
A assessoria jurídica do trilionário texano defende seu chefe, alegando que os relatórios enviados pelo Twitter não apresentavam soluções regulatórios para as contas falsas e ‘bots’, programas que simulam a interação humana, influenciando os outros usuários – curiosamente o grande interesse de Musk na rede social eram, exatamente, os ‘bots’ que poderiam ajudá-la na manipulação da opinião pública. Alega também que o Twitter teria mudado seu modelo administrativo, congelando contratações e demitindo executivos do alto escalão, “sem o consentimento do seu novo controlador”, o que teria “violado materialmente” o acordo de fusão.
Para quem não sabe, Elon Musk já era acionista do Twitter, antes de todo este imbróglio ter início. Em 13 de abril deste ano, portanto nove dias após seu anúncio de compra da rede social, ele ameaçou seu conselho dizendo que sua oferta era a melhor e a única do mercado: “se não a aceitarem, reconsiderarei minha posição como acionista”, pressionou o parlapatão.
Má-fé e perdas
“Ele se queixa de que informações foram ocultadas, mas fornecemos dados completos de ‘firehouse’ e entregamos relatórios mensais que identificam cada uma das nossas contas por ‘id’ do usuário, bem como indicativos de spams, desde 1º de janeiro de 2021”, detalha Taylor. “Tudo o que repassamos é mais do suficiente e razoavelmente necessário para se orientar uma fusão”, acrescentou o executivo. “Musk violou, na base da má-fé, um contrato que o obrigava aos melhores esforços para concluir a fusão, não nos mostrou os números de financiamento da dívida que iria assumir, se recusou, injustificadamente, a dar seu consentimento para decisões operacionais, depreciou o Twitter com seus comentários jocosos e usou, indevidamente, informações confidenciais”.
Em outras palavras, a direção do Twitter pinta Elon Musk como um calhorda, uma mistura de menino mimado e trombadinha que terá que crescer para encarar uma dura realidade: a perda pela Tesla da liderança mundial entre os modelos verdes. No primeiro semestre de 2022, a chinesa BYD Auto destronou o reizinho com um volume de mais de 641 mil unidades – apenas para o leitor ter uma base comparativa, todas as vendas brasileiras, no período, alcançaram 851 mil unidades. Pior, para a Tesla, isso ocorre ao mesmo tempo em que os chineses registram um crescimento de 315% na produção de EVs, híbridos plug-in e modelos movidos a hidrogênio, enquanto a marca norte-americana estaciona em 564 mil unidades, que representam alta de “apenas” 46% em relação a 2021.
Enquanto a BYD informou seus investidores, em teleconferência, que tem a meta para o fechamento deste ano gira entre 1,1 milhão e 1,2 milhão de NEVs, com a inauguração da sua sexta fábrica chinesa, Musk põe a culpa na crise dos semicondutores para aliviar sua barra: “As interrupções na cadeia de suprimentos, que nos atinge há dois anos, é um pesadelo que, uma vez após outras, vem prejudicando nossa oferta”, garante ele, já sabendo de que há uma cláusula no acordo com o Twitter que pode obrigá-lo a consumar a fusão. E é exatamente isso que os advogados da Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, verdadeiros peso-pesados do setor de fusões, garantem que vão conseguir para a rede social.
“Neste caso, pode-se considerar Musk como um azarão no tribunal. Ou seja, sua chance de provar uma violação contratual é mínima”, avalia o analista de litígios da Bloomberg Intelligente, Matthew Schettenhelm. “No seu pedido, o Twitter alega que a Justiça norte-americana deve intervir para evitar que o fanfarrão cometa outras violações, para além das que já cometeu. A verdade é que, desde novembro de 2021, quando a Tesla experimentou um pico negativo, a riqueza pessoal de Musk já encolheu US$ 100 bilhões e por isso que ele quer pular fora do negócio. Na prática, ele quer que os acionistas do Twitter assumam os prejuízos decorrentes da desaceleração das vendas da Tesla”, acrescenta Schttenhelm. Em outras palavras, é uma vigarice que poucas vezes se viu na história das grandes corporações.
Só na última terça-feira, quando o todo-poderoso anunciou que estava fugindo do altar, as ações da rede social despencaram 12% – mais de 20%, desde janeiro. Parece que até mesmo um analfabeto em Economia ou um cego em finanças consegue enxergar que Musk não quer honrar suas obrigações, simplesmente porque o acordo que assinou, fingindo que era homem, não atende mais seus interesses infantis. É um caso freudiano, sem dúvida nenhuma…