Sistema semiautônomo da Tesla põe Elon Musk de volta no banco dos réus

O AutoPilot é sistema de condução semiautônomo, de Nível 2, capaz de conduzir (girar o volante, acelerar e frear) o veículo sozinho, em muitas circunstâncias, mas que exige supervisão ininterrupta do motorista
Crédito: Tesla
Elon Musk está de volta ao banco dos réus. Desta vez, uma ação coletiva indenizatória movida por Briggs Matsko e outros proprietários de modelos da Tesla Motors, em um tribunal federal de San Francisco, questiona a honestidade do Auto Pilot, sistema de condução semiautônomo da marca – trata-se de um assistente de Nível 2, segundo os parâmetros internacionais da SAE, capaz de conduzir (girar o volante, acelerar e frear) o veículo sozinho, em muitas circunstâncias, mas que exige supervisão ininterrupta do motorista. “Na hora da venda, é gerado um entusiasmo, mas, no uso prático, fica claro que é propaganda enganosa”, afirma Matsko, que adquiriu um Model X, em 2018. “O verdadeiro objetivo é atrair investimentos, capitalizar suas ações e aumentar as vendas, porque a Tesla não oferece nada que se aproxime, nem remotamente, de um carro autônomo. E isso gera um perigoso excesso de confiança no motorista”, acrescentou.
A montadora criada por Musk já enfrenta 38 investigações da Administração Norte-Americana de Segurança no Tráfego (NHTSA) sobre seu sistema avançado de assistência, que tratam de acidentes em que 19 pessoas morreram, mas esta é a primeira vez em que o Auto Pilot é contestado pelo viés comercial e, não, apenas pelas falhas de segurança. “O pior é que quando o sistema está ativado, os olhos dos motoristas se desviam da estrada com mais frequência e por períodos mais longos em comparação com o modo de direção convencional”, avalia a pesquisadora Pnina Gershon, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
O estudo do MIT foi o primeiro a quantificar os efeitos da condução autônoma, especificamente do Auto Pilot. “Inquestionavelmente, o que apuramos é que, quando o piloto automático é ativado, os olhos do motorista não só se desviam da estrada, como o fazem por intervalos de tempo mais longos”, sublinha Pnina. Para o leitor ter uma base de comparação, quando o motorista está no comando, ele só desvia a atenção do tráfego por mais de dois segundos, durante 4% do tempo ao volante. Já quanto o sistema é acionado, esse intervalo sobe para um percentual de 22% – mais de cinco vezes maior.

O pesquisador do Centro de Transporte e Logística do MIT, Bryan Reimer
Crédito: MIT
O fabricante tem até o dia 22 deste mês para apresentar sua defesa (processo nº 22-05240, U. S. District Court, Northern District of California), em relação a nada menos que 11 acidentes em que modelos da Tesla atingiram veículos de emergência parados para prestar socorro, quando eram guiados pelo Auto Pilot. “A verdade é que a marca definiu quesitos de atenção à direção sem qualquer supervisão regulatória”, aponta o pesquisador do Centro de Transporte e Logística da MIT, Bryan Reimer. “A métrica tradicional calcula que, observando um ponto mais distante à frente, o motorista tem dois segundos para reagir a uma situação de risco. Mas o que ocorre, na prática, é que uma empresa californiana vem definindo, de acordo com seus interesses de marketing, uma política de segurança para os transportes”, alerta Reimer.
“Enhanced”
Há cinco anos, o requerente Briggs Matsko pagou US$ 5.000 (o equivalente a R$ 26 mil) pela versão Enhanced (EA) do Auto Pilot – segunda geração do sistema autônomo, capaz de “navegar” por estradas de pistas duplas ou triplas, mudando de faixa e migrando de uma rodovia para outra. Se a Tesla for condenada, seus carros podem ser impedidos de circular, na Califórnia, e sua obrigação de indenizar pode alcançar até mesmo aqueles que alugaram algum de seus modelos, desde 2016. “Os clientes que têm os softwares de seus veículos atualizados fazem, na verdade, o papel de cobaias. Isso sem falar nas falhas que surgem, inesperadamente, como desvios de rotas, avanços de sinal vermelho – algo inadmissível na versão Full Self-Driving, disponível desde 2020 – e, o mais perigoso, mudança de trajetória nas curvas”, comenta Matsko.
Por trás dos problemas apresentados pelo Auto Pilot, há uma preocupação regulatória maior. “Se cada fornecedor de equipamentos originais (OEM), que é quem fabrica o conjunto que engloba subsistemas das montadoras, desenvolver sua tecnologia, isoladamente, vamos acabar com uma fila de carros que não se comunicam entre si e, em função disso, não comporão um ecossistema harmônico no tráfego”, alerta Pnina Gershon, do MIT. “O consumidor não pode ser tratado como cobaia e os desenvolvedores precisam trabalhar juntos para filtrarem as soluções mais práticas e eficientes, afinal, estamos falando da segurança das pessoas”.

Imagem aérea da rede norte-americana “ABC”, com o acidente envolvendo um Model X, da Tesla, com vítima fatal
Crédito: ABC/reprodução
No final de agosto deste ano, o dono de um Model 3 já havia acionado a Tesla, judicialmente, por causa de falhas no sistema de frenagem de emergência. Jose Alvarez Toledo afirmou em seu pedido inicial que, “quando o que era para ser um recurso de segurança opera de forma defeituosa, o condutor passa a rodar sob risco, vivendo um verdadeiro pesadelo”. O processo, que também tem o status de ação coletiva, acusa a marca de Elon Musk de “ocultar falhas, violar a garantia do produto e praticar concorrência desleal”. Esta ação busca não apenas uma indenização por dano moral, mas pede o reembolso por eventuais reparos e uma redução do preço de tabela dos modelos da Tesla.
O fabricante extinguiu sua Assessoria de Imprensa, em 2020, e, portanto, não responde às demandas dos jornalistas enviadas para sua administração.