Com estandes reduzidos, muitas marcas chinesas e ausências, o Salão do Automóvel voltou abaixo do tamanho da indústria que representa

Se todos os maiores salões de automóveis do mundo abrem uma janela que mostra o futuro do setor automotivo em produtos, tecnologias e tendências de mercado, o renascido Salão do Automóvel de São Paulo apresentou um horizonte preocupante, pois deixou de mostrar o tamanho e a importância da indústria automotiva instalada no País, projetando um cenário dominado por marcas que vêm da China para montar carros com baixo ou nenhum conteúdo local – e, portanto, com baixa geração de emprego e renda no País –, inclusive com muitas associações a fabricantes já localizados no Brasil.

Por falta de recursos daqui e das matrizes no Exterior os fabricantes de automóveis decidiram, desde a edição de 2018, desdenhar do evento e do público que o visita com fervor quase religioso, colocando a culpa nos altos custos para enterrar o Salão do Automóvel, que assim deixou de ser realizado nas edições bienais que deveriam ter acontecido em 2020, 2022 e 2024 – a pandemia atrapalhou os planos mas muitas montadoras já estavam decididas a não mais participar antes mesmo da proliferação da covid-19.

Neste meio tempo muitos dos grandes salões de automóveis do mundo na Europa, China, Estados Unidos e Japão voltaram a ser realizados com grande participação das mesmas montadoras que não queriam mais participar do Salão de São Paulo, quebrando uma tradição de mais de sessenta anos.

Após sete anos de ausência e muita insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em pessoa, que com razão disse ter dado tudo que a indústria lhe pediu e o público brasileiro merecia ter seu salão de volta, a mostra voltou ao Anhembi, mas com tamanho muito menor do que já teve, descortinando certa fraqueza da indústria instalada diante da voracidade dos chineses.

O Salão encerrado no domingo passado traz o mérito de ter voltado a acontecer, não foi interditado, mas ficou longe de fazer jus ao propagado maior ciclo de investimento da indústria automotiva no País, que passa dos R$ 180 bilhões, incluindo montadoras e seus fornecedores, segundo sempre repetem Anfavea e governo, ainda que com alguns exageros e contabilidade criativa que inclui programas que já terminaram.

A mensagem que fica deste Salão é preocupante porque o evento insinua que o futuro da indústria será de mera montadora de carros importados desmontados da China, com alta dependência tecnológica das matrizes e baixo nível de industrialização local, na contramão de um país que quer se reindustrializar.

Neste aspecto, ainda bem, cabe o benefício da dúvida, pois a parte a indústria automotiva que esteve no Anhembi não representa o todo, as fabricantes locais e seus produtos nacionais ainda dominam mais de 80% do mercado brasileiro, mas as marcas chinesas estão chegando com produtos tecnologicamente mais avançados e alta voracidade, já têm juntas fatia de pouco mais de 10% do mercado, e o Salão do Automóvel representou bem esta parte da realidade.

 

Salão menor para mercado menor. Será?

Alguns dos grandes expositores dizem ter sido este o “salão possível”, com custos equivalentes de 15% a 20% do que gastaram em 2018, na última edição do evento antes da debandada. Isto porque os estandes foram homogeneizados, limitados ao máximo de 500 metros quadrados de área total por marca – coisa de um quarto ou até menos do que eram alguns dos maiores espaços ocupados pelas principais montadoras e importadores.

Esta configuração retirou do evento a opulência e o glamour que marcaram os salões passados, fez parecer iguais os desiguais, mas também tornou desconfortável a experiência dos visitantes que disputaram espaços pequenos para ver os carros em exposição. Ou seja: o objetivo de mostrar novidades ao público ficou parcialmente comprometido.

Com estandes reduzidos e ausência de mais da metade dos associados da Anfavea, sobrou espaço. Assim quase metade do espaço do pavilhão de exposições do Anhembi foi ocupado pela orgulhosamente apresentada como “maior pista de test drives coberta do mundo”, na qual visitantes podiam ter a “experiência” de rodar a algo como 40 km/h com algumas das novidades apresentadas na feira, desde que pagando pelo ingresso VIP que chegou a R$ 640 nos fins de semana. Segundo a organização foram realizados ali 10 mil testes em nove dias.

Uma justificativa muito utilizada para realizar um salão empobrecido é o próprio encolhimento do mercado brasileiro nos últimos anos, que nunca mais chegou ao cume dos 3,6 milhões de veículos leves vendidos, em 2012, e hoje está estacionado abaixo de 2,6 milhões. Por esse raciocínio também seria impossível realizar os salões dos anos 1990, muito mais opulentos do que este, quando não se vendiam nem 2 milhões de carros por ano.

Isto para não falar da primeira metade da década de 2000, em que o mercado caiu abaixo de 1,5 milhão de unidades. Naqueles anos magros não se ouvia ninguém reclamar dos custos milionários do salão.

E há, ainda, um outro ingrediente para jogar no caldeirão do marketing: atualmente o mercado é menor mas os produtos têm valor agregado muito maior do que os carrinhos populares que a indústria não tinha vergonha de mostrar em estandes milionários.

Ou seja: hoje vende-se um volume relevante de veículos, que mantém o Brasil na lista dos dez maiores mercados do mundo – foi o sexto maior nos últimos três anos e um dos que mais cresceu porcentualmente em 2024 – e com produtos mais rentáveis do que no passado recente.

Visto por este ângulo o Salão do Automóvel de 2025 apresentou-se muito menor do que o mercado e a indústria que representa nos dias de hoje. Mas é o que foi possível fazer, justificam as empobrecidas montadoras que atuam há décadas no País. Impossível é assegurar que isto seja verdade, pois nenhuma das grandes multinacionais do setor divulga os resultados financeiros no Brasil, nenhuma expõe lucros ou prejuízos locais.

Também não cola a tese de que nada se vende no Salão. Talvez não durante a exposição propriamente dita mas o evento sempre foi considerado pelo setor como um promotor de vendas nos anos em que aconteceu. E este ano foi permitido fechar negócios, com bons resultados. O importador da Kia, o empresário José Luiz Gandini, que nos últimos trinta anos nunca desistiu de participar dos salões paulistanos com a representação da marca coreana, ficou bem satisfeito com os 119 carros que informa ter vendido no Anhembi – e já confirmou presença no próximo, em 2027.

 

Mais ausências do que presenças

O público somado de 516 mil visitantes em nove dias ficou abaixo das expectativas dos organizadores que esperavam 700 mil pessoas no Salão, e foi ainda menor do que as quase 900 mil pessoas de edições anteriores – talvez pelos preços dos ingressos e pela dificuldade atávica de acesso, este ano bastante piorada pela CET que fechou boa parte da avenida da entrada principal, desconectada do calendário oficial de eventos da cidade.

Ainda assim o público de meio milhão de pessoas não pode ser considerado irrelevante, como parece ter sido para parte relevante de empresas do setor. Dos quinze fabricantes de veículos leves associados à Anfavea, oito deram de ombros para os visitantes que foram ao Anhembi.

Algumas ausências chamaram a atenção pois parecem indesculpáveis em um evento de tão alta relevância para o público e que teve os custos tão reduzidos, fazendo parecer que os visitantes do Salão pouco importam.

A GM/Chevrolet, que este ano completou 100 anos no Brasil, mostrou seu momento de dificuldades ao não ir a um evento no qual esteve em todas as edições desde 1960. Mas dois elétricos Spark estiveram no Anhembi, expostos no estande do Pace, Polo Automotivo do Ceará, onde será montado o carro elétrico importado semipronto da China, produzido pela joint venture da GM com a SAIC-Wulling, em mais um arranjo que parece refletir a nova realidade da indústria.

Já a Volkswagen, marca de quase 73 anos no País que se orgulha de afirmar que todo brasileiro tem uma história com ela, não quis mostrar seu bom momento de desempenho no Salão – talvez por julgar muito pequeno o espaço que teria para se mostrar, ficando à sombra das seis marcas levadas ao Anhembi pela líder de mercado Stellantis.

O problema parece ser o novo formato do evento paulistano, vez que a Volkswagen não abandonou os salões europeus nem os chineses, e escolheu para lançar o novo Tiguan – que certaente será vendido no Brasil – no menos badalado Salão de Los Angeles, nos Estados Unidos, realizado justamente na mesma semana do Salão de São Paulo, provando que a questão não reside no tamanho do mercado, pois a marca vende menos carros aos estadunidenses do que aos brasileiros.

Assim como a Volkswagen todas as marcas alemãs fugiram do Salão de São Paulo tal qual o aliviado chanceler Joachim-Friedrich Martin Josef Merz ao voltar para seu país, após a classificada por ele mesmo de desagradável passagem pela COP 30 em Belém, PA. Porsche, Audi, BMW e Mercedes-Benz não deram as caras, assim como as demais marcas premium como Land Rover e Volvo.

Dentre as marcas mais relevantes do mercado também não vieram Ford e Nissan, que sempre estiveram presentes nas últimas e tinham o que mostrar, a baixo custo.

Ao todo estiveram presentes dez marcas estabelecidas que produzem no Brasil e na Argentina – a grande maioria, cinco, de um só fabricante, o Grupo Stellantis com Fiat, Jeep, Ram, Peugeot e Citroën em estandes próprios para cada uma.

Também com fábricas brasileiras vieram ao Salão a Toyota, Honda, Hyundai, Renault, HPE Mitsubishi e Caoa Chery.

Outras onze marcas expostas, no momento, importam tudo que vendem ou vão vender aqui, dez delas chinesas – incluindo aí BYD e GWM que estão iniciando operações de fábricas no País com a montagem de partes importadas.

 

Negócios da China

Com as marcas chinesas representando cerca de metade dos estandes de fabricantes de grande porte no Salão do Automóvel 2025 – apresentando veículos com altas doses de tecnologia digital que, há alguns anos, seriam apresentados como carros-conceito em qualquer grande salão do mundo – ficou ainda mais claro para o público que o Brasil tornou-se um alvo preferencial da China, pois é o maior dos mercados automotivos dentre os quais o país ainda pode entrar com menos barreiras.

A multiplicação de marcas chinesas na exposição apenas reflete a realidade do mercado brasileiro atual, com boa parte do crescimento que ainda resta concentrado nas vendas de carros elétricos e híbridos importados da China, tomando espaço dos fabricantes nacionais.

Essa presença chinesa aumentada também é refletida na estratégia se-não-pode-com-eles-junte-se-a-eles. Todas as dez marcas chinesas em exposição têm pretensão de produção local, a maioria com parcerias de empresas que já estão no Brasil.

Três delas – BYD, Chery [com a Caoa] e GWM – já têm linhas de montagem operacionais no País, e outras três anunciaram no Salão que terão produção nacional em sociedade com fabricantes já instalados, caso da Changan com a Caoa em Anápolis, GO, da Leapmotor com a Stellantis em Goiana, PE, e da Geely com a Renault em São José dos Pinhais, PR.

Além destas também a GAC estava no Salão prestes a anunciar parceria produtiva com a HPE para montar seus carros em Catalão, GO, enquanto Omoda Jaecoo – outra do Grupo Chery – e SAIC/MG reconfirmaram no Anhembi a intenção de instalar linhas nacionais de montagem, embora ainda sem anúncios concretos.

Completando o cerco a BYD apresentou no Anhembi sua marca de luxo Denza e informou que esta também é candidata à montagem em Camaçari, BA.

Em comum estas fabricantes produzem ou produzirão no Brasil, ao menos em um primeiro momento, com enormes quantidades de itens importados da China. Em maior ou menor grau todas são ou serão operações muito focadas em montar carros aqui para reduzir a tributação de importação que pesa sobre produtos prontos, com pouca ou nenhuma ambição de nacionalizar os componentes críticos.

Assim o Salão do Automóvel possível mostrou um futuro impossível de se imaginar há menos de cinco anos, com a indústria nacional diminuída em sua contenção de custos enquanto os chineses ocupam espaço cada vez maior. O próximo já está confirmado para 2027 e deverá comprovar, ou não, tudo que foi projetado neste 2025.