Grupo anuncia brasileiro João Laranjo como novo diretor financeiro global (CFO), aposta em “jogo mais pegado” e reafirma previsão de receita de US$ 189,5 bilhões (R$ 1,008 trilhão) para este ano
A Stellantis, gigante ítalo-franco-norte-americana dona de Chrysler, Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën e RAM, dentre outras 14 marcas, nomeou seu segundo diretor financeiro (CFO) global em menos de dois anos, nesta segunda-feira (dia 29) e o brasileiro João Laranjo, um veterano da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) foi o escolhido para substituir o norte-americano Doug Ostermann, que passou menos de um ano sentado na cadeira. Laranjo, atual diretor financeiro para a América do Norte, é um homem de confiança do presidente-executivo (CEO) Antonio Filosa, com quem acumula 15 anos de colaboração. Já Ostermann, nomeado ainda na gestão do português Carlos Tavares, deixa o cargo por “motivos pessoais” sem conseguir dar uma resposta estratégica à crise que, nos últimos 18 meses, derreteu a capitalização de mercado do grupo em mais de três vezes, de quase US$ 88 bilhões (o equivalente a R$ 468 bilhões) para US$ 27,5 bilhões (R$ 146 bilhões).
“A saída de Ostermann não deixa de ser surpreendente, até porque neste curto período ele ajudou a estabilizar a posição financeira da companhia, durante a transição da gestão de Tavares para a de Filosa. Apesar das quedas nas vendas e de lucratividade, a Stellantis fechou 2024 como a quarto maior fabricante do setor automotivo em nível global e não há como negar que a mudança na diretoria financeira é fator de instabilidade, criando um cenário de desconfiança entre os investidores com relação aos esforços que são necessários para a recuperação da empresa”, avalia o analista do grupo franco-alemão de serviços financeiros Oddo-BHF, Michael Foundoukidis.
Como se vê, Laranjo não terá vida fácil e, com o perdão do trocadilho, terá que fazer uma alaranjada a partir dos limões que tem na cesta. Na semana passada, a Stellantis anunciou a suspensão da produção em seis fábricas europeias (na Alemanha, Espanha, França, Itália e Polônia), devido à queda nas vendas, isso em meio à divulgação do relatório do FIOM-CGIL, equivalente ao Sindicato dos Metalúrgicos brasileiro, que revelou o enxugamento de 9,6 mil postos de trabalhos pela Stellantis nos últimos quatro anos, só na Itália, onde a produção do grupo também caiu 515 mil unidades em duas décadas. “São números que expressam o fracasso”, comenta seu secretário-geral, Michele de Palma. “Pedimos à administração que pare de distribuir dividendos para os acionistas e invista na empresa”, acrescenta.
Para Palma, a gestão de Tavares foi um desastre e uma revitalização “é urgente”, adverte. Só entre 2021 e 2024, a Stellantis distribuiu 14 bilhões de euros em dividendos (o equivalente a R$ 87,3 bilhões), ao mesmo tempo em que perdeu mais de US$ 60 bilhões (o equivalente a R$ 374 bilhões) em capitalização de mercado. Na Itália, sua participação de mercado caiu de 35% para menos de 30%, nos últimos dois anos.
Neste cenário e ao que tudo indica, a Stellantis está trocando a Champions League pela Libertadores da América, pelo menos no quesito administrativo. Do salto alto do ex-CEO Carlos Tavares para o “jogo pegado” de Antonio Filosa, italiano que tem cidadania brasileira e que conhece bem o estilo sul-americano, já comandou a operação continental até 2023. Foi jogando nos campos daqui que ele se consolidou como líder de sucesso e executivo com ótima interlocução com os revendedores. Agora, Filosa traz Laranjo para reforçar o time e repetir, em nível mundial, os excelentes resultados que conquistou no Brasil, onde levou a Fiat à liderança do mercado e fez da Jeep uma marca de prestígio – cá entre nós, é preciso muito faro administrativo e muita “milonga” para conseguir dois milagres desta magnitude.
O leitor pode estar se perguntando o que isso, afinal de contas, tem a ver com o carro que ele está namorando ainda no salão de vendas da concessionária e a resposta é simples:
Precarização inexorável
O brasileiro apaixonado por carros, aqui incluso aquele visto como grande entendido do assunto, tem um olhar muito passional para o setor automotivo, não conseguindo alcançá-lo como um negócio global do mesmo porte dos setores minerário ou a indústria química. Apesar dessa dificuldade, é preciso ter em mente que o automóvel que está no salão da concessionária é, apenas e tão somente, o chamariz de um empreendimento gigantesco, cujos serviços financeiros são muito mais rentáveis do que a venda do próprio automóvel e que a verdadeira briga entre os fabricantes não é para ver qual deles produz o melhor veículo, mas quem opera com maiores margens de lucro e retornos para seus acionistas. O carro, em si, é a triste materialização da precarização inexorável à maximização destes ganhos.
Posto isso e de volta à Stellantis e ao novo CFO, João Laranjo, como nova peça no tabuleiro ele terá bastante trabalho para garantir os números que companhia reafirmou, recentemente, principalmente sua previsão de receitas líquidas mais altas (US$ 189,5 bilhões), melhor fluxo de caixa (US$ 15 bilhões) e maior lucratividade (margem operacional de 11,7%) para o segundo semestre deste ano – lembrando que o relatório de receitas do terceiro trimestre só será divulgado em 30 de outubro. No primeiro semestre deste ano, a empresa amargou prejuízo líquido de 2,3 bilhões de euros (o equivalente a R$ 14,3 bilhões) e, desde julho, vem reportando que as novas taxas alfandegárias implementadas por Donald Trump gerarão custos adicionais de 1,5 bilhão (R$ 9,3 bilhões).