Pressão da UE sobre a Índia, decorrente da crise tarifária de Trump, pode se estender ao Brasil

Com guerra tarifária desencadeada por Trump, União Europeia pode fincar sua bandeira no mercado brasileiro de automóveis: exportações de carros de passeio e comerciais leves da UE para os Estados Unidos irão cair, drasticamente, e a recomposição desses volumes já gera pressão na Índia, uma manobra que pode ser replicada “contra” o Brasil

No dia 1º de janeiro de 2035, todos carros de passeio e comerciais leves vendidos na União Europeia (UE) deverão, obrigatoriamente, ser livres de emissões de dióxido de carbono (CO2). A lei que prevê zero emissões está em vigor desde junho de 2022 e vai escalonar suas restrições para garantir que, até 2050, o setor de transportes se torne neutro. Como o leitor pode imaginar, tanto o processo legislativo quanto a revisão das normas foram minadas pelas montadoras tradicionais que, objetivando um adiamento de prazos, apresentam as mais variadas justificativas para seguirem ofertando veículos com motores a combustão interna “ad aeternum”. No Reino Unido, a “morte” dos modelos térmicos ocorrerá cinco anos antes, em 2030, mas o que ninguém imaginava é que o agravamento do quadro psiquiátrico do presidente norte-americano Donald Trump, expresso nos seus pacotes vesanos de tarifas, flexibilizaria as coisas, no Velho Continente. E diante de uma conjuntura de incerteza, o governo do Reino Unido – que não faz parte da UE, é bom sublinhar – relaxou suas metas para EVs, atendendo a lamúria da indústria automotiva, de que as metas regulatórias estão em descompasso com o consumo.

“Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a proibição para venda de automóveis a gasolina ou diesel entrará em vigor – no Reino Unido – em 2030, da forma que está prevista hoje. Porém, os fabricantes agora terão mais flexibilidade nas metas anuais, até lá, e terão multas menores em caso de descumprimento”, anunciou a secretária britânica de Transportes, Heidi Alexander. “As mudanças não são uma solução mágica, mas foi a saída que encontramos para respondermos às novas tarifas dos Estados Unidos. O governo dialogou com as montadoras, fortalecemos nosso compromisso com a descarbonização gradual e teremos medidas práticas para ajudar a indústria”, acrescentou Heidi.

Para 2025, a legislação do Reino Unido exige que 28% dos automóveis novos sejam totalmente elétricos, uma meta que vai estrangular a participação dos modelos equipados com motores a combustão interna até sua “morte”, daqui cinco anos. Mas as montadoras terão mais flexibilidade para atingir suas metas anuais. “Se não venderem EVs suficientes em um ano, poderão compensar vendendo mais no ano seguinte, por exemplo. Além disso, a multa de £ 15.000 (o equivalente a R$ 113,3 mil) por veículo vendido que não atenda aos padrões de emissões atuais será reduzida para £ 12.000 (R$ 90,6 mil)”, detalhou a secretária de governo. Heidi confirmou que, em 2035, nem mesmo modelos híbridos serão tolerados.

Como há exceção para tudo neste mundo, marcas britânicas menores, como a Aston Martin e a McLaren, poderão continuar vendendo seus superesportivos com motores térmicos, além de 2030.

Recomposição

Para além do Reino Unido, é certo que as exportações de automóveis da União Europeia para os Estados Unidos vão cair, drasticamente, e a recomposição desses volumes já gera pressão na Índia, uma manobra que pode ser replicada “contra” o Brasil. A UE quer que a Índia elimine impostos sobre importações, sob um acordo comercial pendente há muito tempo, e os asiáticos estão abertos a uma redução gradual das tarifas atuais, de mais de 100%, para 10%, contrariando o próprio lobby da indústria automotiva indiana, que pede uma tarifa mínima de 30% para proteger os fabricantes nacionais. “Os cortes seriam uma vitória para marcas como Volkswagen, Mercedes-Benz e BMW”, não esconde o porta-voz da Comissão Europeia para a Segurança Econômica e Comércio, Olof Gill.

Hoje, o mercado automotivo indiano tem um volume comercial de quatro milhões de unidades anuais, contra os 2,6 milhões de unidades registradas pelo Brasil, em 2024 – melhor resultado do setor nos últimos 18 anos. A Índia é considerada protecionista e as montadoras nacionais vêm argumentando que cortes tarifários drásticos tornariam as importações mais baratas e reduziriam o investimento na produção local. O mesmo vale para o Brasil, que deverá sofrer grandes pressões da UE, até mesmo em função da retaliação tarifária dos europeus em relação à soja norte-americana, que será substituída pelo grão brasileiro – aqui, a coerção seria travestida de contrapartida. O fato é que os produtos “barrados” nos EUA terão que ser desovados em outros países.

A expectativa, agora, é que a flexibilização britânica respingue na União Europeia. “Uma vez que o transporte rodoviário é responsável por um quinto das emissões de CO2 da UE, temos medidas práticas que vão garantir o objetivo de neutralidade climática até 2050. Até 2030, vamos reduzir as emissões dos carros de passeio em 55% e as dos comerciais leves em 50%”, assegura o eurodeputado holandês Jan Huitema (do partido Renew), que elaborou o relatório sobre a revisão das normas, há dois anos. “Obviamente, os modelos atuais equipados com motores a combustão continuarão em circulação, após 2035, mas como a vida útil de um automóvel europeu gira em torno de 15 anos, programamos um limite para que, em 2050, quase todos os automóveis em circulação sejam neutros”, explica o legislador.

Vale citar que a legislação europeia também contempla o aspecto infraestrutural. “A transição para os EVs será acompanhada por uma infraestrutura abrangente, inclusive de combustíveis sustentáveis. Garantimos o estabelecimento de zonas de carregamento os veículos elétricos pelo menos a cada 60 quilômetros ao longo das principais estradas da EU, até 2026, bem como pelo menos a cada 120 km para ônibus e caminhões, até 2028”, detalha Huitema – em relação às estações de abastecimento de hidrogénio, as regras prevêem que sejam implementados pontos pelo menos a cada 200 km, até 2031.

Agora, é esperar para ver…