
Você deve estar pensando que errei o dito popular “por fora bela viola, por dentro pão bolorento”, lembrando que a aparência pode enganar. Mas não errei. É que, nos tempos de repórter (cobrindo a indústria automobilística) na sucursal de São Paulo do O Globo, um dia, no começo dos anos 80, ao atender ao telefone fui surpreendido com uma voz feminina, dizendo-se secretária de Roberto Marinho, o dono do jornal e também da poderosa Rede Globo de Televisão. Ele queria falar comigo.
Achei que era mais um trote do Antônio Carlos Piccino, o Soneca, fotógrafo com quem viajei várias vezes em reportagens fora de São Paulo e que adorava aprontar para os colegas. Mas, ao ouvir a voz, logo reconheci o jornalista Roberto Marinho, que era como ele queria ser mencionado nas matérias que se escrevia ao seu respeito.
Estive com ele, como repórter de O Globo, pelo menos três vezes em que esteve em São Paulo, para atender aos mais variados compromissos. Muito gentil e atencioso, sempre perguntava quem era o repórter do jornal que ali estava para cobrir o evento. Depois do aperto de mão e saber o nome de quem era o repórter, agradecia a presença. E pedia para que não colocasse “dr.” na sua identificação, mas sim jornalista Roberto Marinho, com sua voz inconfundível, até mesmo ao telefone.
– Quero lhe pedir um favor. Preciso comprar um carro para minha esposa e ela quer uma Caravan, com todos os equipamentos que ela pode oferecer.
– Claro!
Mas ele não queria uma Caravan normal de linha. Queria que fosse básica por fora e totalmente equipada por dentro, inclusive na motorização. E não estava conseguindo pelo processo normal de compra, em uma concessionária carioca.
E assim, a Caravan, um modelo Comodoro, com todos os opcionais (ainda não existia a versão Diplomata, só lançada em 1986) por dentro e básica por fora, vendida ao jornalista Roberto Marinho, para uso da sua esposa, inverteu o dito popular, sendo fabricada exatamente como ele pediu: bela por dentro e nada atraente por fora.

Sobre o jornalista Roberto Marinho:
Nos meus mais de 55 anos de carreira jornalística, convivi com muitos colegas nas redações e escritórios (nesses casos, Assessorias de Imprensa) e alguns chefes e dois patrões. Um deles foi Roberto Marinho, entre 1980 e 1983 e faço este adendo aqui para manifestar minha admiração por este meu patrão. Primeiro porque, no mês de aniversário do jornal, nosso holerite crescia 50%. Mas, no que se refere a relacionamento humano, era imbatível.
Como falei no meu texto, ele era de uma gentileza, sem nenhuma arrogância vista em muitos patrões, ou qualquer manifestação de poder, pois não ”mandava” colocar o “dr” na sua identificação. Pedia, como se fora um mortal qualquer.
Ele não era um mortal qualquer mesmo. Naquela época poderia ser considerado o Imperador do Brasil, respaldado pelo poder que conquistara com o seu império Global: jornais O Globo (que herdou do pai Irineu Marinho e que assumiu em 1931), rádio Globo, Rio Gráfica Editora, Globosat e, a cereja do bolo, a Rede Globo de Televisão. Haja poder!!!!!
Enfim, apesar do poder imenso, sempre foi muito gentil com seus subordinados, como esse aqui que vos escreve.
(obs: Roberto Santini, proprietário do centenário jornal “A Tribuna”, onde comecei em 1969, também era um homem gentil, educado e atencioso com o pessoal da casa. Só não aumentava em 50% o salário no mês de aniversário do jornal.)










