Por Laryssa Martins, campeã do Prêmio Autoinforme Estudantes de Jornalismo 2025

Carro eletrificado é eficiente do ponto de vista ambiental, mas ainda é muito caro
Silencioso, tecnológico e zero emissão de poluentes, o carro elétrico estacionou no imaginário brasileiro como o símbolo máximo do “carro que queremos”. No entanto, ao descer do test drive e olhar a etiqueta do preço, o consumidor encontra a realidade de um país onde a inovação sustentável ainda não cabe no bolso da maioria. A indústria automotiva vive seu maior paradoxo: como construir o mundo que precisamos se apenas 1% da população pode pagar por ele?
O desejo pelo carro que queremos não é apenas uma aspiração de status; é uma conta que não fecha. Analisando friamente, fazer a troca do carro a combustão para o elétrico, é uma decisão puramente racional. O custo por quilômetro rodado pode ser até 76% mais barato que o equivalente à gasolina, uma diferença que, para um motorista de aplicativo, por exemplo, pode significar trocar um gasto de R$ 150 por R$ 28 para rodar os mesmos 300 quilômetros. Essa economia vai além do abastecimento. Ela dura toda a vida útil do veículo. Como a mecânica é mais simples (sem troca de óleo e com menos peças de desgaste) a manutenção preventiva chega a custar 40% menos que a de um modelo a combustão.
O mercado, mesmo restrito, prova que o brasileiro fez as contas. O interesse é real e crescente. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), as vendas de eletrificados cresceram 51% em um ano e devem ultrapassar 200 mil unidades em 2025. Em agosto, 9,4% de todos os veículos leves vendidos no País já possuíam alguma forma de eletrificação. Os números confirmam a tese: o consumidor quer o carro elétrico. O problema é que, para a grande maioria, esse desejo para no próximo parágrafo.
A barreira é imediata e matemática. O abismo não está entre diferentes categorias, mas dentro da mesma linha de montagem. Enquanto o modelo elétrico mais acessível do País, o Renault Kwid E-Tech, é anunciado por R$ 99.990,00 seu irmão movido a combustão, o Kwid Zen, parte de R$ 72.640. É o mesmo carro, a mesma proposta urbana. A diferença é o motor – e uma taxa de eletrificação de R$ 27.350,00 que o separa do consumidor comum.
Esse valor se torna, francamente, impossível quando confrontado com a realidade nacional. Com uma renda média de R$ 3.484,00 o brasileiro precisaria de quase oito meses de trabalho integral apenas para pagar a diferença entre os dois modelos. O carro-chefe da revolução sustentável custa, no total, o equivalente a 29 salários médios. O carro que queremos é, na prática, um luxo que o mundo que precisamos ainda não pode bancar.
Do outro lado, a indústria se defende dizendo que o abismo é resultado de um ciclo vicioso. O principal obstáculo é a carga tributária. Veículos elétricos, majoritariamente importados, enfrentam uma alíquota de importação de 25% (em vigor desde julho de 2025), que subirá até 35% em 2026, igualando-se aos carros a combustão. Como a produção em larga escala ainda não decolou no Brasil, o setor inteiro continua dependente de componentes importados. As caras baterias, por exemplo, sofrem com a variação do dólar, e ainda falta uma cadeia de fornecedores locais.
Na ponta, o paradoxo é cruel. Ninguém se beneficiaria mais da economia de 76% no abastecimento do que os motoristas de aplicativo. Eles são os que mais rodam e os que mais gastam com combustível. Em simulações reais, um motorista que roda 5.000 km mensais poderia economizar R$ 2.300,00 por mês ao trocar a gasolina pela eletricidade. O problema é que a economia mensal não paga o investimento inicial. Relatos de motoristas que financiaram 100% de um veículo elétrico apontam para parcelas que variam de R$ 3.900,00 a R$ 4.500,00 — um valor proibitivo. Para piorar, alguns fabricantes impõem limitações de garantia para quem usa o carro comercialmente, aumentando o risco de quem já se endividou para tentar economizar. O carro que promete a economia é, ironicamente, o que exige o maior sacrifício financeiro.
Então, como fechar esse abismo? Para Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), a resposta não está em demonizar’ uma tecnologia, mas na convergência. A indústria aposta no híbrido plug-in flex (que combina o motor elétrico com o combustível líquido) como uma solução inovadora genuinamente brasileira quando usar o etanol. O setor também vê a recente criação da Secretaria de Mobilidade Elétrica (em outubro de 2025) como um passo importante. A esperança é que ela ajude a estruturar políticas para facilitar, enfim, a produção nacional.
Mas a batalha não termina no preço do carro. Ela também envolve a infraestrutura. O Brasil precisará saltar de 121 mil para 570 mil pontos de recarga até 2030. O carro que queremos já existe. Mas para que ele se torne o carro do mundo que precisamos (um mundo acessível e democrático) a indústria e o governo precisarão decidir quem, afinal, vai pagar a conta da eletrificação.










