Enquanto brasileiro enxerga AVs como ficção científica, Waymo supera 100 mil viagens sem motorista nos EUA

Escrever sobre veículos elétricos (EVs) e autônomos (AVs) em um país que vive na idade da pedra, onde a maioria das pessoas acha que os motores a combustão interna são o futuro e que a virada da eletromobilidade é uma moda passageira, não é tarefa fácil. Se, por aqui, os elétricos são vistos com desconfiança e descrédito, o que dizer dos modelos que dispensam motorista? Para o brasileiro médio, terraplanista, “liberal na economia e conservador nos costumes”, os AVs são peças de ficção científica. Mas, no além-mar, esta tecnologia já está mudando a realidade do tráfego, mesmo que sua operação ainda seja circunscrita a algumas regiões metropolitanas. Nos Estados Unidos, país que é considerado por 99,9% dos tupiniquins como uma espécie de sucursal do paraíso, a Waymo, empresa que nasce do Google e, hoje, pertence à gigante Alphabet, garante que seus robotáxis são pelo menos 73% mais seguros do que o serviço com humanos. “Nossos veículos autônomos são um elemento onipresente na paisagem urbana de três das maiores cidades norte-americanas, já são parte da vida cotidiana das pessoas”, destaca o diretor de produtos da companhia, Saswat Panigrahi.

O mais recente estudo da consultoria McKinsey & Co. aponta que o mercado global do robotáxis pode gerar US$ 1,3 trilhão (o equivalente a R$ 7,3 trilhões) em receita, até 2030, mas como sei que aquele seu primo que “sabe tudo de carros” não faz a menor ideia do que é a Waymo, anote aí: trata-se da da primeira empresa a oferecer, desde outubro de 2020, o serviço público de robotáxi sem motoristas de segurança – humanos – no veículo. Hoje, ela opera nas cidades norte-americanas de Phoenix (Arizona), Los Angeles e São Francisco (Califórnia), com lançamento previsto para Austin (Texas) ainda neste ano. No último mês de agosto, a Waymo superou a marca de 100 mil viagens sem motorista por semana, operando 600 robotáxis, nos EUA.

Aqui, é importante frisar que as despesas de capital de uma operadora de robotáxis são, hoje, muito maiores do que as de uma frota tradicional de transporte por aplicativo – a Uber, por exemplo, tem como base veículos particulares, de propriedade dos motoristas que os conduzem, enquanto a Waymo possui sua própria frota, além de pagar por manutenção, limpeza e cobrança. “Vejo que a companhia está assumindo o protagonismo em termos de transparência, disponibilizando seu ‘research hub’, um banco de dados online com informações de seus próprios registros e repositórios de segurança, para pesquisadores independentes”, comenta o diretor de pesquisas do Instituto para Segurança Rodoviária (IIHS) norte-americano, David Zuby.

Evitaria todos acidentes
Este banco de dados que reúne informações coletadas em mais de 22 milhões de milhas rodadas (o equivalente a 35.000.000 de quilômetros rodados ou mais de 880 voltas ao mundo) aponta que os robotáxis da Waymo têm 84% menos acidentes em que há acionamento de airbags e 48% menos acidentes de qualquer tipo. Na reconstituição de colisões fatais reais, que ocorreram em suas áreas operacionais, a Waymo evitaria todos os acidentes, se seus AVs substituíssem o veículo causador da ocorrência, evitando 82% das colisões, mesmo que na posição responsiva. Além dos dados internos, o “research hub” da empresa também inclui informações sobre acidentes com AVs reportados à Administração Nacional de Segurança de Tráfego (NHTSA) norte-americana – todas as operadoras de veículos autônomos são obrigadas a reportarem ocorrências à NHTSA.

Como nem tudo são flores, lá, o regulador federal de segurança identificou 31 incidentes ao longo de um período de três anos envolvendo veículos Waymo, que levantaram preocupações e foram classificados como “colisões que um motorista humano poderia evitar”. No último mês de agosto, um robotáxi com passageiro a bordo virou em uma faixa de tráfego na contramão, na cidade de Tempe (Arizona). Não houve colisão, mas o incidente capturou o tipo de atenção que a Waymo espera evitar. O caso mais alarmante foi registrado em outubro do ano passado, quando um AV operado pela Cruise, subsidiária da General Motoros, atropelou um pedestre em São Francisco, causando ferimentos.

“Continuem nos responsabilizando e pressionando os desenvolvedores de AVs a serem claros sobre suas abordagens à segurança, comprovando sua eficiência na prática e não apenas em suas palavras”, disse o diretor de segurança da Cruise, Steve Kenner. Líderes do setor ressaltaram a necessidade de métricas claras de segurança para veículos autônomos, bem como de negociações mais transparentes com reguladores e o público em geral, à medida que seus serviços vão se popularizando. Não se pode esquecer, também, que Ford e Volkswagen fecharam sua subsidiária de AVs, Argo, há dois anos, mesmo após captarem US$ 3,6 bilhões (o equivalente a R$ 20,3 bilhões) em investimentos. Já a Zoox, braço de veículos autônomos da Amazon, acaba de completar dez anos, mas não tem uma data para o lançamento de seu serviço comercial.
Musk promete mexer no tabuleiro

Quem promete mexer nas peças do tabuleiro é o fanfarrão Elon Musk, que vem anunciando o lançamento de um robotáxi da Tesla há anos, sempre adiando seu lançamento comercial – que, agora, foi “empurrado” para 8 de outubro. O picareta sul-africano, que se diz texano e gosta de afrontar democracias pelo mundo afora, como se fosse uma espécie de constitucionalista planetário, tem faro para dinheiro, mas anda muitíssimo pressionado por seus investidores, cujo prejuízo com as patacoadas de Musk já ultrapassa a casa dos R$ 600 bilhões (o equivalente a mais de 3,4 trilhões). Apenas para o leitor ter uma ideia, estima-se que a tarifa média por viagem da Waymo gire entre US$ 15 e US$ 18 (o equivalente a um custo médio por viagem entre R$ 85 e R$ 100), valor mais alto que o da chinesa Apollo Go, de Wuhan, cujo custo do quilômetro rodado é de 11,3 yuans ou R$ 9.

“Hoje, o negócio dos robotáxis seguem um modelo embrionário, mas essas empresas terão que, em determinado momento, mudarem sua mentalidade para os lucros e a economia dos AVs e do ‘ride hailing’ não funciona, necessariamente, em qualquer cidade de qualquer país”, avalia o analista Sam Abuelsamid, da Guidhouse Insights, líder em inteligência de mercado e consultoria em energias emergentes. “A realidade é que ninguém descobriu um modelo de negócio que dê retorno e, enquanto a Alphabet agrupa as finanças da Waymo a outros projetos de longo prazo, como sua divisão de entregas por drones, a Wing, e sua pesquisa antienvelhecimento, Calico, só conseguimos contabilizar que as perdas caíram US$ 205 milhões – para US$ 1 bilhão – no primeiro trimestre deste ano”, acrescentou Abuelsamid.