Transporte autônomo por aplicativo é tendência irreversível: investimento será de R$ 400 bilhões por ano

Robotaxis da Waymo ultrapassaram 99% dos motoristas da Uber, em termos de produtividade, em Austin e Atlanta – duas cidades onde os robotáxis da Waymo são ‘chamados’ por meio do aplicativo da Uber; veículos autônomos realizaram mais viagens diárias e puxaram um aumento de 18% das receitas em empresa, em relação ao mesmo período de 2024 – FOTO – imagem gerada por IA, com licença para uso editorial

A adoção de veículos autônomos (AVs) pela Uber, em substituição aos condutores humanos, é um fantasma que assombra os mais de 1,4 milhão de motoristas brasileiros cadastrados na plataforma. O Brasil é o país com maior número destes prestadores de serviços, mas quase nenhum deles sabe que o pontapé já foi dado, nos Estados Unidos, por meio de uma parceria com a Waymo, nome ainda desconhecido do leitor e de quem trabalha até 16 horas por dia ao volante. É bem possível que você nunca tenha ouvido falar da empresa californiana de condução autônoma que é o aplicativo de transporte da Alphabet – dona do Google e da Vevo, dentre outras subsidiárias – e que opera robotáxis regularmente em San Francisco, Los Angeles, Atlanta, Austin, Phoenix e já testa seus serviços em Tóquio (Japão). Para 2026, a Waymo estenderá seus negócios até Miami, Washington e outras cinco metrópoles norte-americanas, aparentemente muito distantes da realidade brasileira. Mas a empresa, que faz parte de um conglomerado com quase US$ 3 trilhões (o equivalente a R$ 16,3 trilhões) em capitalização de mercado e que cresceu mais de 25% só nos três primeiros trimestres deste ano, pode se popularizar tão rápido quanto a Uber – apenas para comparação, nos últimos dois meses, o grupo Stellantis viu seu valor cair de US$ 64,2 bilhões para US$ 55,7 bilhões, uma perda de 13% – ou junto com ela. E é aqui que o trabalhador começa a ser ameaçado.

 

“As grandes cidades vão mudar drasticamente, na próxima década, e nossas opções de mobilidade serão completamente transformadas”, garante a presidente-executiva (co-CEO) da Waymo, Tekedra Mawakana. “Estamos avançando em todas as frentes, priorizando segurança”, destaca. É claro que, quando pensamos numa plataforma como a da Uber, estamos falando de mais de 7,4 milhões de motoristas em nível global e, em decorrência disso, de um volume de AVs que, hoje, representa mais do que a capacidade de produção de toda a indústria automotiva mundial. Mas os números da empresa (detalhados abaixo, no texto) já apontam maiores ganhos e menores riscos, evidenciando a tendência de substituição. O fato é que, cidade por cidade e aprendendo com “humildade”, a Waymo está no caminho certo para se tornar a referência mundial do transporte autônomo por aplicativo – com a parceria da Uber ou, simplesmente, a engolindo.

 

“Nos últimos anos, várias empresas surgiram e, simplesmente, desapareceram neste mercado. Elas prometiam serviços muito audaciosos e, quando se trata deste tipo de aplicação, a confiança é uma coisa difícil de alcançar, mas fácil de perder”, avalia Tekedra. Para ela, a transformação deste setor trará ganhos ambientais e urbanísticos, com mais agilidade e menores custos para os usuários, além de uma redução do tráfego nas metrópoles. “As pessoas não terão tanto interesse na propriedade de um veículo automotor e isso reduzirá os congestionamentos”, prevê.

 

A consultoria McKinsey & Company estima que a direção autônoma pode gerar entre US$ 300 milhões e US$ 400 milhões (o equivalente a até R$ 2,2 bilhões) em receitas, só nos próximos dez anos. “A partir de 2035, os sistemas autônomos de Nível 4 irão dominar o mercado, superando os sistemas de Níveis 2 e 3 que temos, atualmente”, afirma o sócio e consultor do escritório alemão, em Stuttgart, Johannes Deichmann. “Neste intervalo, só o gasto das montadoras com este tipo de tecnologia saltará dos US$ 30 bilhões anuais, estimados para este ano, para até US$ 80 bilhões – o equivalente a quase R$ 440 bilhões”, acrescenta. “Os softwares são os principais diferenciais da condução autônoma e isso já implica em grandes necessidades de codificação, desenvolvimento, simulação e validação”, complementa Deichmann.

 

 

Viabilidade comercial

 

Parece futurismo, mas quem observa os lançamentos com mais atenção já percebeu que, hoje, mais de 90% dos modelos vendidos na Europa e nos Estados Unidos, bem como grande parte dos automóveis ofertados no Brasil, dispõem de auxílios de Nível 1 desde suas versões básicas – recursos como a frenagem automática de emergência (AEB), que há pouco tempo parecia saída do filme “Guerras nas Estrelas”, é um item indispensável para se obter nota máxima nos ‘crash tests’ do LatinNCAP. O mesmo avanço pode ser visto na sexta geração do Waymo Driver: as gerações anteriores contavam com até 29 câmeras e cinco sensores LiDAR, um pacote que foi simplificado 13 câmeras e quatro unidades LiDAR, mas que possui uma cobertura sobreposta de 360 graus e pode detectar objetos a até 500 metros de distância, mesmo com pouca iluminação ou mau tempo. “Reduzindo essa complexidade, reduzimos custos ao mesmo tempo em que melhoramos a segurança e a confiabilidade”, sublinha o porta-voz da empresa, Ethan Teicher.

 

E é exatamente aqui que a tendência tecnológica do setor cruza com sua viabilidade comercial, já que isso facilita a escalabilidade do sistema. “Os robotáxis da Waymo ultrapassaram 99% dos motoristas da Uber, em termos de produtividade. Os números que consolidamos no segundo semestre deste ano, a partir da parceria que iniciamos em Austin e Atlanta – duas cidades onde os robotáxis da Waymo são ‘chamados’ por meio do aplicativo da Uber –, revelam que os veículos autônomos realizaram mais viagens diárias e puxaram um aumento de 18% nas nossas receitas, em relação ao mesmo período de 2024”, declarou o CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, durante a mais recente conferência de resultados da empresa – os US$ 12,65 bilhões (R$ 69 bilhões) em receita, no trimestre, superaram as expectativas dos investidores e isso com apenas de 100 robotáxis em operação. “Nosso plano é expandir este número de veículos, nos próximos trimestres. Vamos apostar na automação de nossa frota, não como um experimento, mas para remodelar a essência do nosso negócio”, pontua Khosrowshahi.

 

Como o leitor percebe, não é preciso ter bola de cristal para entender que o transporte urbano, em todos os seus subsegmentos, passará por grandes mudanças nos próximos anos. A eletrificação galopante dos automóveis de passeio e a automação das frotas, em que as aplicações comerciais precederão o uso pessoal, vai impactar milhares, milhões de postos de trabalho, mas o brasileiro parece alheio a tudo isso. Pior, nossos legisladores não têm a mínima qualificação para tratar deste tema e, diante das cifras bilionárias que se aventam, o mais provável é sua capitulação diante das migalhas que lhes serão jogadas. A pergunta que todos evitam e ninguém se aventura a responder é: ‘o que acontecerá, se os 1,4 milhões de motoristas brasileiros da Uber perderem seu ganha-pão’?