Hoje, penetração é de 21% e projeção comercial é para 2030; China tem maior mercado doméstico do mundo, desde 2009, e sua produção já responde por 39% do volume global

Se, em 2005, a participação da China na produção global de automóveis era de cerca de 1%, este percentual pulou para 39%, em 2024; há um consenso entre as principais consultorias automotivas de que, a partir de 2035, quanto os veículos de novas energias (NEVs) se tornarem convencionais, essa participação alcançará – podendo mesmo ultrapassar – os 50% – CRÉDITO: Imagens geradas por IA, com licença para uso editorial
Há pouco mais de 20 anos, a participação das marcas chinesas no mercado automotivo global era mínima, para não dizer inexpressiva. Só com a entrada do país da Grande Muralha para a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, considera-se dado o pontapé inicial de uma rápida expansão que, duas décadas depois, reposicionou todas as peças no tabuleiro. O que se vê é que, daqui quatro anos, um a cada três veículos vendidos no planeta será de uma marca chinesa. Estamos falando de vendas, porque no campo da produção esta barreira já foi ultrapassada. Porque se, em 2005, a participação da China na produção global de automóveis era de cerca de 1%, este percentual pulou para 39%, em 2024 – vale lembrar que o mercado doméstico chinês se tornou o maior do mundo há algum tempo, em 2009, ultrapassando os Estados Unidos; naquele ano, foram vendidas 13,5 milhões de unidades na China, contra 10,4 milhões nos EUA. Hoje, há um consenso de que a partir de 2035, quanto os veículos de novas energias (NEVs) se tornarem convencionais, essa participação alcançará – podendo mesmo ultrapassar – os 50% – e, como se concebe, o Brasil ainda existirá e alguém de nós ainda estará aqui, quando isso ocorrer.
“O aumento das exportações de carros chineses está remodelando os mercados em todo o mundo, inundando os países com carros acessíveis e desencadeando uma guerra de preços que se espalha pelas concessionárias do México à Malásia”, destaca o sócio da consultoria global Roland Berger, com mais de 50 escritórios em quase 40 países, e vice-presidente asiático, Ron Zheng. A dimensão desse aumento nas exportações é claramente visualizada nos mais recentes dados comerciais do setor: só nos primeiros cinco meses de 2025, as exportações de automóveis chineses atingiram novos patamares e só as remessas para para os Emirados Árabes Unidos totalizaram US$ 2,7 bilhões, um aumento de 550% em relação a 2022.
Outro exemplo fica outro lado do mundo e bem mais próximo do Brasil: o México, que sempre foi um “parceiro” fidelíssimo da indústria norte-americana, importou US$ 2,4 bilhões em automóveis chineses, enquanto a Rússia, mesmo mergulhada num imbróglio geopolíticos, somou US$ 2,2 bilhões – apenas para o leitor ter uma referência, a Argentina, que responde por quase 35% das exportações automotivas brasileiras, importou US$ 3,9 bilhões em 2024, valor que inclui não só veículos, mas também autopeças. “Nos próximos quatro anos, as marcas chinesas vão capturar 30% das vendas mundiais – lembrando que 39% da produção global já é chinesa – de automóveis, um aumento significativo em relação aos 21% registrados em 2024”, pontua Zheng.
Os ganhos mais substanciais são esperados em mercados emergentes como a América do Sul (incluindo o Brasil), o Sudeste Asiático, o Oriente Médio e a África. A projeção indica uma participação de até 15% para as marcas chinesas, nos mercados fora da China, e um volume global de 96,3 milhões de unidades.
Margens de lucro
Obviamente, essa transformação não começou ontem e quem acompanha o setor automotivo com um olhar adulto sabe que os chineses vêm enfrentando conjunturas geopolíticas e arcando com altos custos iniciais para se estabelecerem no além-mar, há uns bons anos. “Isso fica claro quando notamos que apenas as gigantes chinesas conseguem um lugar ao sol nos principais mercados externos, enquanto as marcas menores são, praticamente, alijadas dessa expansão. O fato é que só 15% das 70 montadoras chinesas monitoradas pelo instituto de pesquisa automotiva Gasgoo, em 2024, utilizavam mais de 70% de sua capacidade de produção, patamar amplamente considerado o mínimo viável para se obter lucratividade e sustentabilidade”, afirma o consultor e diretor-administrativo em Xangai da consultoria financeira e assessoria global AlixPartners, Stephen Dyer.

Se, em 2005, a participação da China na produção global de automóveis era de cerca de 1%, este percentual pulou para 39%, em 2024; há um consenso entre as principais consultorias automotivas de que, a partir de 2035, quanto os veículos de novas energias (NEVs) se tornarem convencionais, essa participação alcançará – podendo mesmo ultrapassar – os 50% – CRÉDITO: Imagens geradas por IA, com licença para uso editorial
De acordo com ele, essa conjuntura não deixa dúvidas de que os mercados globais seguirão muito impactados pela invasão chinesa, mas a atual guerra de preços não será tão intensa, nos próximos anos, conquanto deve permanecer na China. “Isso tem uma explicação muito simples: os chineses estão de olho em margens de lucro maiores, nos mercados externos. Então, uma crise estrutural que decorresse da supercapacidade seria revertida, estrategicamente. Então, modelos populares ‘made in China’ continuarão ganhando as ruas de países sul-americanos, enquanto EVs de altíssima qualidade e preços bastante atraentes, de montadoras como a BYD, seguirão conquistando o consumidor europeu”, projeta Dyer.
Fatia recorde de 7,5%
Nunca se deve esquecer que, em 1985, quando a indústria automotiva instalada no Brasil ultrapassou a produção de um milhão de unidades, pela primeira vez, os chineses não fabricaram mais do que 5.000 automóveis – para se ter ideia do crescimento exponencial, só em 2024, a China produziu 31,2 milhões de veículos. Agora, em outubro, as marcas chinesas registraram seu melhor mês na Europa, superando em muito os recordes anteriores de setembro, impulsionadas pela crescente demanda por EVs e modelos híbridos. Puxados pela BYD, pela MG (SAIC Motor) e pela Chery, os fabricantes de trás da Grande Muralha abocanharam uma fatia recorde de 7,5%, de acordo com a Dataforce, e desbancaram as marcas sul-coreanas. “Este é apenas um indicativo do que pode estar por vir, porque o que se observa é um aumento constante na participação dos modelos chineses nos mercados europeus”, sublinha o analista da plataforma de coleta e rotulagem de dados, que combina inteligência artificial com uma rede de mais de um milhão de colaboradores, Benjamin Kibies.
Ele chama atenção para o fato de o Reino Unido – onde a tarifa de importação é de apenas 10% e, portanto, inferior à da União Europeia (UE) – responder por quase a metade deste volume. “Lá, as vendas da BYD sextuplicaram, só de agosto para cá”, exclama o analista. O pior para as antigas montadoras é que as marcas ocidentais vêm derretendo na China, dominada por EVs, e não bastasse suas vendas encolherem no maior mercado do mundo, elas agora enfrentam uma concorrência doméstica cada vez maior. “A Europa está na defensiva, já que as tarifas da UE apenas frearam a ascensão das marcas chinesas e há, agora, a disputa política sobre o controle da fornecedora de chips Nexperia, que bloqueou as importações de sua controladora chinesa para o Velho Continente”, avalia Kibies.

Se, em 2005, a participação da China na produção global de automóveis era de cerca de 1%, este percentual pulou para 39%, em 2024; há um consenso entre as principais consultorias automotivas de que, a partir de 2035, quanto os veículos de novas energias (NEVs) se tornarem convencionais, essa participação alcançará – podendo mesmo ultrapassar – os 50% – CRÉDITO: Imagens geradas por IA, com licença para uso editorial
O que o setor de distribuição antevê é que o golpe de misericórdia será a captura da rede de concessionários, uma estratégia que, replicada no Brasil, vai atingir em cheio o negócio das montadoras tradicionais. “As gigantes chinesas têm cacife para o jogo e fazem ofertas muito atraentes para que grupos de concessionárias assumam suas marcas”, explica o analista da consultoria estratégica norte-americana Bernstein, Stephen Reitman. “Os revendedores gostam da oferta e seus clientes ficam impressionados com o produto. Não há como negar que, quando o comprador entra no salão de vendas do concessionário de uma marca chinesa, há a combinação entre um certo choque e admiração. Seus mais novos híbridos plug-in oferecem grande autonomia elétrica, carregamento rápido e um generoso pacote de equipamentos de série a preços inferiores aos dos concorrentes europeus”, lista Reitman.
Também no Brasil, o consumidor mais qualificado está cada vez mais inclinado aos híbridos plug-in e, na ponta do lápis, apenas as marcas chinesas os oferecem a preços razoáveis. Em agosto, por exemplo, eles representaram quase 4% do mercado brasileiro. A despeito dos negacionistas, foram 38 híbridos plug-in a cada 1.000 carros de passeio e comerciais leves vendidos no país – lembrando que os eletrificados, somados e incluindo os micro-híbridos (MHEV), já têm uma fatia de quase 12%.










