Mercado de AVs saltará de R$ 110 bilhões, há dois anos, para R$ 330 bilhões em 2030

Projeção da DFDS Seaways, companhia marítima dinamarquesa que opera serviços de passageiros e carga no norte da Europa, para o transporte com caminhões autônomos (ATs): substituição dos modelos convencionais por ATs reduz os custos operacionais de um transportador em 45%
Crédito – DFDS

O brasileiro, do estudante ao eleitor, passando pelo universo de consumidores, vem se notabilizando mundialmente pelo negacionismo. A negação da ciência, combinada à falta do elementar bom-senso, fez emergir um time de terraplanistas que, há poucos anos, não se imaginava que existia. Mas a Terra segue girando e, em sua esfericidade, os veículos autônomos (AVs) vão deixando os laboratórios e campos de provas para irem às ruas. Enquanto ainda existe gente negando a virada da eletromobilidade, o setor de transportes se prepara para uma revolução ainda maior do que a iniciada pelos EVs – os modelos elétricos. “Estamos falando de um mercado que vai saltar dos US$ 20,5 bilhões (o equivalente a quase R$ 110 bilhões), de dois anos atrás, para quase US$ 63 bilhões (o equivalente a R$ 330 bilhões), já em 2030”, projeta o diretor executivo da Associação dos Fabricantes de Veículos Autônomos norte-americana (AVIA), Jeff Farrah. “Estamos progredindo e cada vez mais operadores percebem que os AVs são a solução para seus negócios”, acrescenta ele, que representa desenvolvedores como Aurora, Cruise e Waymo, a Uber e a Lyft, além de Ford, Volkswagen e Volvo.

Da mesma forma que ocorre com os EVs, as montadoras vêm esbarrando em questões regulatórias para implantação e comercialização dos veículos autônomos. “Do ponto de vista tecnológico, a indústria vem se saindo muito bem, mas não vemos a formulação de políticas e, muito menos, de uma legislação para o setor”, pontua Farrah. O fato é que fabricantes e fornecedores já investiram US$ 75 bilhões (o equivalente a mais de R$ 390 bilhões) em desenvolvimento, sem, até agora, obterem retorno. Mas o que deveria ser um empecilho é, na verdade, um atrativo capital: “Os investidores sabem que estamos cada vez mais perto”, comenta o fundador e presidente-executivo (CEO) da Kodiak Robotics, startup que acaba de levantar US$ 30 milhões (quase R$ 160 milhões) em capital privado, Don Brunette.

Bem longe do Brasil, Brunette opera caminhões de carga por quase 13 mil quilômetros, entre o Texas e a Flórida. Nas suas operações, o sistema autônomo dirige as composições – ‘ATs’, como são chamadas – durante 94% do tempo, mesmo com um motorista a bordo. Já na Europa, a Volvo apresentou, há dez dias, o novo EX90, seu “SEV” com três fileiras de bancos, que começa a ser vendido no final deste ano. “Para o lançamento, não temos um EX90 que dirige sozinho, mas esta geração traz 16 sensores ultrassônicos, oito câmeras e cinco radares, além do sistema LiDAR. Melhor, o modelo já vem equipado com um software que permitirá, futuramente, sua atualização para a condução autônoma”, destacou o diretor de mobilidade futura da marca sueca, Gaurang Kalsaria.

As montadoras nunca jogaram dinheiro fora e, historicamente, jamais instalaram em seus produtos algo que não pudessem cobrar, mas também aqui a coisa está mudando. “Quando você monta centenas de milhares de automóveis, anualmente, sabe que cada centavo é importante para reduzir os custos. Mas chegamos à era dos EVs e dos carros por assinatura e, hoje, o tempo médio que um comprador europeu permanece com seu veículo é de 12 anos, um recorde de longevidade”, detalha Kalsaria. “Os preços dos 0k estão nas alturas e os financiamentos já se estendem por oito anos, então, pensamos em gerar receita futura. E, neste sentido, o lançamento do novo EX90, já preparado para uma atualização de condução autônoma, inova com a perspectiva de monetização para o futuro”.

Eu sei muito bem que, para o negacionista brasileiro, é um verdadeiro golpe saber que tudo, mas absolutamente tudo que é anunciado como uma evolução pelo mercado automotivo é, na verdade, uma estratégia para abocanhar seu suado dinheirinho, mas não há nada que se possa fazer. E é de olho no bolso de quem tem dinheiro que a startup chinesa de direção autônoma WeRide Technology entrou, confidencialmente, com o pedido de oferta pública de ações em Wall Street (vulgo, na bolsa norte-americana), para captação de US$ 500 milhões (o equivalente a mais de R$ 2,6 bilhões). O objetivo é atrair novos investidores para se juntarem a ninguém menos que a Alliance (Renault-Nissan-Mitsubishi), a gigante estatal Guangzhou Automobile Group (GAC), a Bosch e o grupo de gestão de ativos Carlyle.

“Os AVs irão redefinir a relação entre homem e máquina, e o nosso foco, neste momento, são sistemas que integram o envolvimento humano na condução”, afirma o presidente-executivo (CEO) da Latitude AI, subsidiária que acaba de ser criada pela Ford para desenvolver tecnologias de automação, Sammy Omari. A Latitude AI vai somar esforços à Mobileye no avanço do sistema BlueCruise, recém-disponibilizado para alguns modelos da marca. “Já acumulamos 80 milhões de quilômetros de condução autônoma”, sublinha Omari.

Custo operacional 45% menor

Mas antes de ter seu próprio AV, o leitor cruzará com muitos modelos comerciais e caminhões autônomos nas ruas e estragas. “Nossos caminhões vão operar em um ‘loop’ de serviço contínuo, entre o centro de distribuição da supermercadista Kroger, em Dallas, e suas lojas da região. Serão quatro entregas diárias, durante sete dias por semana, em viagens que terão uma média de 95 quilômetros em percursos de rodovias e vias expressas, a até 110 km/h”, conta o CEO da Gatik, empresa de caminhões autônomos que já opera com 25 pesos pesados para o Sam’s Club, no Texas, Gautam Narang. Nos últimos dois anos, a Gatik levantou US$ 115 milhões (o equivalente a 605 milhões) em investimentos e, só em janeiro deste ano, recebeu mais US$ 10 milhões (mais de R$ 50 milhões) de injeção da Microsoft – que avaliou a empresa em US$ 700 milhões (R$ 3,7 bilhões). “Enquanto a maioria dos transportadores autônomos oferecem serviços de longas distâncias, nos especializamos em trechos mais curtos”, disse Narang.

Apesar do sucesso no seu empreendimento, a Gatik mantém um motorista na cabine de cada um de seus caminhões autônomos, como reserva de segurança. “A automação vai, em breve, transformar os transportes logísticos e rodoviários”, afirma a fundadora e CEO da Waabi Innovation, desenvolvedora canadense, Raquel Urtasun. No início deste ano, a Volvo fez um grande investimento – sem declarar as cifras – na Waabi. “As montadoras precisam desenvolver seus negócios e a direção autônoma será implementada na movimentação de cargas, antes dos carros de passeio. Isso é uma obviedade que, só recentemente, foi enxergada por frotistas e transportadores: que eles têm que trabalhar juntos com os provedores de tecnologia”, acrescentou Raquel.

A realidade norte-americana, neste setor, é muito diferente da brasileira. Lá, faltam motoristas qualificados – as exigências para habilitação nas categorias “D” e “E” são rigorosíssimas – para ampliação das frotas, enquanto aqui, no Brasil, a desqualificação da mão de obra se revelou no surgimento de caminhoneiros-talibãs, que usam de violência para bloquear rodovias e até chegam a pedir a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). “A substituição de caminhões convencionais por ATs reduz os custos operacionais de um transportador em 45%, o que geraria uma economia anual de US$ 125 bilhões (o equivalente a R$ 670 bilhões) para o setor de logística, se toda a frota fosse autônoma. Hoje, o e-commerce responde por 15% das compras feitas no varejo, nos EUA. Ou seja, são compras feitas de dentro de casa e a Amazon, por exemplo, quer que seu serviço de entrega no mesmo dia salte dos 5% atuais, para 15%, em 2015”, traz o relatório “Distraction or disruption? Autonomous trucks”, da McKinsey & Company, principal consultoria de gestão em nível mundial.

Em outras palavras, enquanto o negacionismo do “apaixonado por carros” leva uma verdadeira os terraplanistas automotivos a desacreditar a virada da eletromobilidade, este mesmo negacionismo, em relação aos AVs e ATs, vai simplesmente extinguir, a médio e longo prazos, uma categoria profissional que, hoje, sustenta dois milhões de famílias brasileiras. É uma burrice que vai sair caro demais…