– Tirar de circulação carro com mais de 15 anos é eliminar um mercado dinâmico e reduzir a mobilidade
– Projeto só funciona se houver um bom programa de reciclagem
Sem esperança de obter novos subsídios do governo, que em anos anteriores socorreu o setor com a redução do IPI, e sem confiança na recuperação da economia, os dirigentes do setor automobilístico apostam num programa de renovação da frota para retomar as vendas no mercado interno e recuperar as perdas provocadas nos últimos dois anos (só no ano passado as vendas caíram 26,5% e no primeiro mês desde ano a queda foi de 38% em relação a janeiro do ano passado).
A Anfavea, a associação dos fabricantes, quer que sejam retirados de linha caminhões com mais de 30 anos de uso e carros de passeio com mais de 15. Segundo os fabricantes, a renovação da frota está alicerçada sobre três pilares: a redução de emissões de poluentes, a segurança ao usuário e a eficiência energética.
O assunto é polêmico. É claro que o País tem a ganhar uma frota de carros novos, modernos, equipados com sistemas de segurança e menos poluentes; além disso, a retomada da produção é garantia de emprego na indústria.
Resta saber se um eventual incentivo do governo para a troca do carro velho por um novo será uma boa alternativa para toda a sociedade.
Primeiro porque a maior parte dos carros de entrada, de grande volume de venda, não é, digamos, um exemplo de segurança veicular. Muitos deles só são equipados com itens banais, como airbag e freios ABS, por imposição da lei. O ganho na troca de um carro de entrada novo por um com 15 anos não seria tão grande a ponto de valer a pena tirar de circulação um carro que tem um bom valor de mercado e que, mesmo poluindo e expondo o seu dono a situações inseguras, é fundamental na mobilidade de parte da população que não tem dinheiro para comprar um carro zero (e mesmo um mais novo) e não conta com transporte público.
O jornalista e ambientalista Dal Marcondes, diretor do portal Envolverde, considera importante um programa de renovação da frota de veículos no Brasil, “principalmente de caminhões e de veículos que circulam nos centros urbanos, pois muitos deles estão em péssimas condições e poluindo a atmosfera”, mas acha que não se deve simplesmente tirar de circulação carros com mais de 15 anos e caminhões com mais de 30. Ele sugere um “retrofit”, reforma semelhante às feitas em imóveis antigos: construídos antes da internet, do telefone celular e dos aparelhos eletroeletrônicos modernos, esses imóveis são submetidos a uma reforma de base para serem utilizados pelas novas gerações: todo o sistema de eletricidade é substituído, capacitando a potência e o número de tomadas de força para atender a grande demanda. O mesmo ocorre com o sistema de encanamento, onde passa a ser considerada a captação de água de chuva; a reforma do telhado, com abertura para iluminação natural e eliminação de som e calor, assim como novos revestimentos. Enfim, um imóvel de 50, 60, 70 anos pode ser reformado e atualizado.
“Assim como num apartamento, por que não fazer uma reforma estrutural no carro, renovando os sistemas antipoluição, trocando o carburador pela injeção eletrônica, enfim, modernizando o carro do ponto de vista ambiental, de segurança e de conforto”, questiona.
A Kombi atravessou gerações e se manteve no mercado mesmo depois de várias inovações em emissões, segurança e conforto. E a indústria nunca reclamou do perigo iminente que a Kombi oferecia ao consumidor. A perua só deixou de ser fabricada por imposição da lei, que desde 2014 exige que os carros vendidos no Brasil tenham airbag e freios ABS, equipamentos incompatíveis com a estrutura do veículo.
Um carro com 15 anos de uso, no Brasil, ainda tem muita vida pela frente; muitos estão em bom estado e outros podem ter uma sobrevida longa após ser submetido a uma reforma. Além disso, a maioria tem um bom valor de mercado.
Um Uno 1999 vale entre R$ 7 mil e R$ 8 mil no mercado de usados; um Gol 98 com 111 mil km rodados está sendo anunciado no Webmotors por R$ 8,9 mil. Um Vectra ano 98, com 100 mil km, vale 15 mil. Um Kia Sportage 99 R$ 15,5 mil, um Jeep Grand Cherokee 98 R$ 21 mil e um Audi A4 98 R$ 22 mil. Isso sem contar carros bem mais velhos, como uma Parati 86 por R$ 3,7 mil, um Uno 92 por R$ 4 mil, ou um Chevette 86 por R$ 2.750,00 (todos anunciados no Webmotors).
Esses carros têm um mercado dinâmico e jogam papel relevante na mobilidade da população de baixa renda, que não é atendida por um transporte público de qualidade.
“O problema – considera Dal Marcondes – é que a indústria não se preocupa com a questão ambiental; o que aconteceu recentemente com os carros a diesel da Volkswagen é prova disso. Por isso uma proposta dessas não passa; ele beneficiaria apenas o setor de autopeças, oficinas e serviços. A indústria não ganha”.
Antes de iniciar a renovação da frota seria preciso a criação de um sistema de reciclagem, onde os veículos descartados teriam as partes aproveitadas e portanto voltariam parcialmente ao mercado. Além disso, a venda das peças recicladas tornariam o negócio interessante do ponto de vista financeiro.
Uma renovação da frota seria interessante no ponto de vista da indústria, com o reaquecimento da economia, da manutenção de empregos, mas do ponto de vista ambiental, se feita sem critérios rígidos, seria um desastre.