Comparação de resultados de 24 fabricantes de carros mostra que ganha muito mais quem vende menos

Uma interessante análise dos resultados financeiros já publicados de 24 dos principais fabricantes de veículos do mundo mostra que, definitivamente, vender mais está longe de lucrar mais. Com base nos balanços financeiros de 2023 divulgados este ano, até o início de abril, por corporações sediadas nos Estados Unidos, na Europa, China, Coreia e no Japão, o consultor Felipe Muñoz, em seu canal nas redes sociais Car Industry Analysis, revela que as marcas de alto luxo vêm conseguindo aumentar os lucros por carro vendido.

Na corrida pela rentabilidade ninguém bate a Ferrari, que em 2023 entregou aos seus ricos clientes apenas 13,7 mil carros, volume que representou meros 3,3% de crescimento sobre 2022, mas o faturamento anual saltou 17%, para quase € 6 bilhões, o que rendeu lucro operacional [os ganhos que restam após o pagamento das despesas para operar] de € 1,6 bilhão. Por essa conta a Ferrari teve lucro de incríveis € 117,8 mil por cada carro vendido no ano passado.

Essa equação resultou em margem de lucro operacional de 27%, ou 3 pontos porcentuais além do apurado um ano antes, o que faz da Ferrari uma máquina de ganhar dinheiro sem igual no mundo, que deixa qualquer concorrente comendo poeira. A fabricante italiana lucra mais vendendo carros do que com suas atividades na F1.

Porsche em segundo, mas bem atrás

A segunda posição no ranking das mais lucrativas segue sendo da Porsche, que pertence ao Grupo Volkswagen e sempre puxa para cima o baixo desempenho financeiro da companhia. A Porsche sempre foi exemplo de rentabilidade e sustenta essa posição há décadas.

Em 2023 a icônica marca alemã de carros esportivos vendeu 320,2 mil unidades, o que rendeu faturamento de € 40,5 bilhões e lucro operacional de € 7,3 bilhões, com margem de 18% sobre a receita total, exatamente o mesmo porcentual apurado em 2022.

Ou seja, a Porsche lucrou € 22,7 mil por carro vendido em 2023. Um ótimo resultado, mas muito atrás da Ferrari em potência financeira. Para se ter ideia, na média, a marca alemã precisa vender cerca de cinco veículos para alcançar o que a italiana ganha com a venda de um só.

 

Estratégia pelo lucro

A análise ampliada de Felipe Muñoz, analista automotivo global na Jato Dynamics sediado em Turim, na Itália, mostra que a busca pelo lucro em detrimento de grandes volumes é uma escolha estratégica que domina as ações da indústria automotiva no mundo inteiro.

Somando os 24 balanços analisados chega-se ao faturamento de € 2,2 trilhões em 2023, em alta de 11% sobre 2022, enquanto o volume de unidades vendidas dessas empresas avançou menos, 9%. Essa equação comprova que foram vendidos em números maiores modelos mais caros.

E o lucro avançou bem mais. As 24 empresas analisadas somaram lucro operacional de € 187,8 bilhões, uma expansão de 18% sobre os € 159,4 bilhões apurados um ano antes, o que fez a margem operacional geral saltar de 7,8% em 2022 para 8,4% em 2023.

Ou seja, no conjunto da obra houve crescimento razoável do faturamento e muito mais dos lucros e das margens.

Stellantis e Toyota, as melhores das grandes

Dentre as fabricantes generalistas de grandes volumes também há quem saiba lucrar. Nesta categoria Stellantis e Toyota tiveram os melhores desempenhos em 2023.

A Stellantis vendeu no ano passado 6,2 milhões de veículos de treze marcas no mundo todo, um avanço de 6,9% sobre 2022, somando faturamento 6% maior, de € 189,5 bilhões, com lucro operacional de € 22,4 bilhões e margem de 11,8%, a quarta maior dentre as 24 fabricantes. A companhia nascida da fusão da FCA com a PSA lucrou € 3,6 mil por carro vendido em 2023.

Interessante notar que em seu maior mercado, composto por trinta países da Europa, a Stellantis vendeu 2,8 milhões de veículos em 2023 e apurou lucro operacional de € 2,3 mil sobre cada um, enquanto na América do Sul – mercado de renda bem menor onde o Brasil responde por quase 80% das vendas – o ganho por carro foi maior, chegou a € 2,7 mil por cada um dos 879 mil veículos comercializados na região no ano passado.

Já a Toyota ainda não divulgou o balanço completo de seu ano fiscal, que terminou em 31 de março passado, mas com os dados revelados até dezembro passado Muñoz calcula que a companhia registra a sétima maior margem de lucro operacional, de 11,1%, uma substancial evolução de quase 4 pontos sobre os 7,2% de 2022. Incluindo das marcas Toyota, Lexus, Daihatsu e caminhões Hino a fabricante apura lucro de € 2,8 mil por veículo vendido.

Chama a atenção o fato de, dentre as grandes fabricantes, a Toyota ter sido a que menos apostou em carros elétricos, que representaram menos de 1% de suas vendas em 2023. Talvez por isto mesmo sua rentabilidade tenha sido melhor que a dos principais concorrentes, envoltos em grandes investimentos para produzir elétricos com baixas margens de ganho.

Tesla faz menos dinheiro

Por falar em elétricos a queridinha do mercado de ações nesta década, que no início dos anos 2020 ultrapassou o valor fabricantes tradicionais e tornou-se a mais valiosa da bolsa de valores, a Tesla começou a pagar o preço da aposta única nos carros a bateria.

De 2022 para 2023 a margem de lucro operacional da Tesla caiu quase que pela metade, de 16,8% para 9,2%, porque o lucro operacional declinou de € 12,7 bilhões para € 8 bilhões, em impressionante queda de 37%. Isto apesar de o volume de vendas ter aumentado 38%, para o recorde histórico de 1,8 milhão de veículos, e o faturamento ter subido 15% no ano passado.

O problema é que o ótimo crescimento de volumes e faturamento da Tesla se deu às custas de cortes de preços para contornar a baixa na demanda e concorrência com os chineses. Com isto a empresa de Elon Musk faturou mais e lucrou menos. O lucro operacional por carro vendido caiu de € 9,7 mil em 2022 para menos da metade disso em 2023, € 4,4 mil, mas ainda pode ser considerado bastante bom.

Chineses focam no volume

Enquanto a tendência estratégica da maioria dos fabricantes é focar na rentabilidade os chineses, por enquanto, ainda trabalham para aumentar seus volumes e espalhar suas marcas pelo mundo, muitas vezes às custas de lucros menores.

Muñoz colheu os resultados de duas fabricantes já bastante conhecidas dos brasileiros: GWM e BYD. Ambas estão expandindo sua rede mundial de produção com grandes investimentos em instalação de fábricas fora da China – a exemplo do que acontece no Brasil –, o que gera aumento de despesas operacionais e drena os lucros.

A BYD, que tornou-se a maior fabricante de carros elétricos nos últimos meses, em 2023 aumentou em 62% seu volume de vendas, o que fez o faturamento crescer 34%, para € 76,8 bilhões, mas o lucro operacional apurado foi de € 4,8 bilhões, ou 6,3% de margem sobre as receitas. Com isso o ganho médio por carro vendido foi de € 1,6 mil, resultado ainda distante dos principais concorrentes europeus, todos acima dos € 2 mil por veículo, e quase três vezes menor do que a Tesla.

Do ponto de vista do resultado operacional a GWM foi a pior dentre as 24 empresas analisadas. Em 2023 a margem de lucro caiu para apenas 1,6% do faturamento, um tombo expressivo contra os já baixos 4,8% de 2022. Segundo calculou Muñoz o lucro da empresa por carro vendido no ano passado foi de apenas € 284.

 

* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.