– Compra da rede social fez sumir US$ 150 bilhões, assustando investidores
– Tesla perdeu US$ 125 bilhões em uma semana, 10% de seu ‘marketvalue’

Elon Musk: (Pool/Getty Images)

A máscara do vendedor de sonhos Elon Musk começa a cair, na medida em que o boquirroto não conseguirá mais, daqui para frente, esconder que é, apenas e tão somente, um caipira que enganou todo o mundo a partir do Estado – o Texas – e o país – os Estados Unidos – mais caburés do planeta. “A compra do Twitter está se tornado uma âncora para a Tesla”, avalia o analista de compra de ações da Wedbush, uma das principais consultorias norte-americanas para gestão de patrimônio, Dan Ives. “Musk criou um mar revolto para os acionistas da sua marca de veículos elétricos (EVs) e eles não esperavam condições tão ruins de navegação”, acrescentou. Os números falam por si só: nos últimos seis meses, o encantador de serpentes vendeu nada menos do que US$ 20 bilhões (o equivalente a R$ 98,5 bilhões) de sua participação na montadora, ao mesmo tempo em que irá desembolsar US$ 44 bilhões (o equivalente a mais de R$ 215 bilhões) para assumir o controle de uma rede social que, teoricamente, tem valor de mercado quase 15% inferior ao que ele se dispõe a pagar. O resultado prático é que, só nesta semana, a Tesla perdeu mais de US$ 125 bilhões (o equivalente a R$ 615 bilhões) ou 10% de seu ‘marketvalue’.

Não é preciso ser um gênio da matemática para ver que a manobra de Musk fez sumir algo em torno de US$ 150 bilhões (o equivalente a R$ 740 bilhões), dinheiro que, apesar de nunca ter existido concretamente, já que é um derivativo e não capital produtivo, assusta os investidores que aplicam no mercado futuro. Indagado pela revista “New Yorker” sobre as razões que levaram Elon Musk à oferta pelo Twitter, o advogado e colunista da “Bloomberg” Matt Levine, formado na Faculdade de Direito de Yale e especializado em fusões e aquisições, não tergiversou: “Suponho que, para além de uma razão sociopolítica, ele deseja otimizar as interfaces para seu uso pessoal. Hoje, são as redes sociais que potencializam o valor de mercado da Tesla, que é um fabricante automotivo relativamente pequeno, em termos de produção – antes dos anúncios desta semana, a marca tinha valor de mercado de US$ 1,03 trilhão, o equivalente a R$ 5,13 trilhões. E em última instância, é o ‘marketvalue’ do fabricante que faz de Musk o homem mais rico do mundo”.

Levine foi além e classificou Elon Musk de “um futurista”, justificando o adjetivo de forma muito didática: “Suas empresas têm mais expectativas sobre ganhos futuros do que faturamento real, no passado e presente. Além disso, o Twitter também não é uma empresa tão grande, em termos de capitalização de mercado”, pontuou o especialista. Já sobre o fechamento do capital da rede social, o analista foi ainda mais claro: “Do ponto de vista corporativo, a ideia é que o controle financeiro de uma empresa privada garante gerência absoluta. Na prática, significa que Musk não precisará de um plano de negócios para submeter a acionistas ou à diretoria. Tecnicamente, ele seria o único dono da empresa e poderia fazer o que quisesse, mas sabemos que ele agregou capital de bancos e parceiros de investimento”.

Em termos de fortuna, a verdade é que ninguém ameaça o falastrão sul-africano, mas Musk perdeu, nesta semana, US$ 18 bilhões (o equivalente a quase R$ 89 bilhões) de seu patrimônio líquido, ou seja, do dinheiro de que pode efetivamente dispor. E isso aconteceu ao mesmo tempo em que a Tesla anunciava ganhos acima do esperado, para o primeiro trimestre deste ano. De qualquer forma, as ações da marca caíram, em 2021, quando ele vendeu US$ 16 bilhões (o equivalente a R$ 79 bilhões) de sua própria participação na companhia, justamente após usar o Twitter para perguntar aos seus seguidores se deveria, ao não, reduzir sua fatia do bolo.

Por outro lado, os acionistas atuais do Twitter receberão US$ 54,20 por ação, quando o negócio for efetivado, mas as cotas da rede social fecharam a semana em US$ 49,11 – perda de 9,5% que o próprio Elon Musk terá que suportar. Não que ele não tenha reservas para isso, até porque já está renegociando US$ 25,5 bilhões (o equivalente a R$ 125,6 bilhões) em dívidas com os credores do Twitter, ao mesmo tempo em que enxerga uma multa contratual de US$ 1 bilhão (o equivalente a R$ 4,92 bilhão), caso o contrato de aquisição seja rescindido.

Salários milionários

O sul-africano não é o único a se dar bem com as especulações, no setor automotivo. O presidente-executivo (CEO) da Lucid Motors, Peter Rawlinson, embolsou US$ 260 milhões (o equivalente a R$ 1,28 bilhão) só em prêmios, em 2021. E isso em meio à uma turbulenta volatilidade nos preços das ações, que chegou a derrubar a cotação de seus papéis em dois terços. Rawlinson é ex-designer da Tesla e a remuneração paga a ele, no ano passado, foi uma das maiores do setor industrial em nível global. A Lucid é californiana, mas planeja construir sua primeira fábrica fora dos Estados Unidos, na Arábia Saudita. Mary Barra, presidente-executiva (CEO) da General Motors há oito anos, também encheu os bolsos, em 2021, com um aumento de mais de 20% no salário. Ao todo, ela recebeu US$ 29 milhões (o equivalente a R$ 143 milhões).

Por trás das cifras bilionárias, há um “detalhe”, no mínimo, curioso: é que enquanto os executivos do setor embolsam dinheiro de verdade, os valores envolvidos na dinâmica das bolsas são, na verdade, uma ficção. “Musk está assumindo um grande risco na compra do Twitter, ao usar ações da Tesla como garantia”, destaca o analista Russ Mould, da AJ Bell, empresa que fornece plataformas de investimento on-line e serviços de corretagem. “Afinal, se as ações da montadora despencarem, repentinamente, ele ficará em uma posição muito desconfortável”, acrescentou. “E este é um risco indeclinável, principalmente pelas incertezas que o negócio está gerando”.

“É claro que a Tesla tem seus ‘contras’, neste negócio”, afirmou o gerente de estratégia de marketing da National Securities, Arthur Hogan, especialista em preservação de capital e segurança a longo prazo. “A marca precisa manter não só os preços de suas ações em alta, como também mantê-las aquecidas, atraindo mais investidores. E a expectativa de que Elon Musk possa estar pulverizando seus investimentos cria um certo receio”, disse Hogan.

Há ainda uma questão política envolvendo a compra do Twitter e o fundador da Amazon, Jeff  Bezos, aproveitou o bafafá para dar uma alfinetada em Elon Musk. “Passaria o governo chinês a ter influência no que se comenta na ágora do Twitter? Acho mais provável, a partir de agora, os chineses criarem problemas para a Tesla em seu mercado, em vez de se preocuparem, censurando a rede social”, comentou Bezos. Aqui, a polêmica parte do fato de a metade da produção global de EVs da marca se concentrar na China e de Musk querer dobrar seu volume local, em Xangai. O chefão da Amazon sabe que a Tesla cresceu atrás da Grande Muralha graças a isenções fiscais, empréstimos “de pai para filho” e uma concessão inédita, à época, para que a marca não fosse obrigada a formar uma joint venture com um parceiro doméstico, garantindo total controle sobre sua operação. Mas, desde o ano passado, a montadora vem sendo perseguida por reguladores e pela mídia estatal, por causa de suas atitudes desleais em relação aos consumidores de lá.

“Penso que a ‘liberdade de expressão’ a que Elon Musk se refere, justificando a compra do Twitter por um viés político, tenha um contexto puramente norte-americano. Afinal, operar internacionalmente duas empresas como a Tesla e o Twitter pode trazer dificuldades. Imagine se o governo chinês, por exemplo, condicionar a aprovação para venda de novos EVs da marca ou para licenciar uma nova fábrica ao fornecimento de contas de dissidentes do regime comunista”, expõe o advogado e colunista da “Bloomberg” Matt Levine. “É um tipo de pressão que Musk nunca sofreu, como CEO de um fabricante de automóveis, e é também bem diferente das pressões que ele já sofreu da Comissão de Valores Mobiliários (SEC) norte-americana – no final de março, uma investigação sobre governança chegou a fazer as ações da Tesla caírem 16%. Ele pode estar comprando um problema”, pondera.

É como dizem os ditados: “O que vem fácil, vai fácil” e “dinheiro é só papel pintado”…