No Brasil, indústria comemora reciclagem de baterias de chumbo
Só nos Estados Unidos, serão descartados dois bilhões de quilos (2.000 000.000.000 kg) de baterias de íon de lítio no final de vida útil, anualmente, a partir de 2030. A questão da reciclagem é fundamental, para a virada da eletromobilidade, tanto que a União Europeia estuda restringir as exportações de resíduos metálicos justamente para incentivar o reprocessamento continental, o que se somará ao esforço para a neutralidade em carbono, até 2050. Nos EUA, há uma projeção do governo norte-americano para o descarte de oito bilhões de quilos em aterros sanitários, até 2040. Para o grupo ambientalista Earthworks e o Instituto para um Futuro Sustentável da Universidade de Tecnologia de Sydney há uma única forma de evitar este futuro temerário:
“Podemos promover uma transição energética, sem cavar novos buracos no chão, e a reciclagem destas baterias pode reduzir a necessidade de novas minas de cobre em 55%, nas próximas duas décadas”, enumera o vice-presidente assistente da Earthworks, Payal Sampat. “Para minas de lítio, projetamos uma redução de 25% na atividade de extração, e para as de cobalto e níquel, este percentual pode chegar a 35%”.
Ambientalistas afirmam que é necessário um modelo para a reciclagem industrial de veículos elétricos (EVs) e a canadense Li-Cycle já processa cinco bilhões de quilos (5.000.000.000 kg) a partir de baterias de íon de lítio, por ano. “Não há diferença entre o material reciclado que produzimos e o que as mineradoras extraem”, garante o co-fundador da empresa, Tim Johnston. A Li-Cycle vai ampliar sua capacidade anual de processamento para 45 bilhões de quilos, em duas plantas locais e outra, na Noruega. “Até 2030, os pacotes de baterias conterão entre 10% e 20% de materiais recicláveis”, aponta Johnston.
Outra empresa canadense do setor, a Lithion Recycling, vai investir US 125 milhões (o equivalente a mais de R$ 620 milhões) na construção de unidade capaz de processar 7,5 bilhões de toneladas, anualmente, em Quebec, para atender a Hyundai, enquanto a General Motors confirmou um aporte de US$ 200 milhões (o equivalente a quase R$ 1 bilhão) na Li-Cycle, que será sua parceira global na reciclagem de conjuntos. “Reunindo nossas capacidades, vamos acelerar a reciclagem de materiais críticos, forjando uma economia circular para a cadeia de suprimentos das baterias de íon de lítio”, destacou o presidente-executivo da companhia, Ajay Kochhar.
No final das linhas de reciclagem, uma massa negra inclui grafite, níquel, lítio, cobalto e manganês. “O segmento de EVs ainda tem que conquistar sua credencial de economia circular e podemos ter uma escassez de recursos, em cinco ou dez anos, o que faz do reaproveitamento uma prática complementar imediata”, avalia o analista sênior Moe Kabbara, da consultoria Dunsky Energy, de Montreal.
Geração de lucro
Enquanto, no Brasil, legisladores, empreendedores da iniciativa privada e até mesmo aquele seu primo que “entende tudo de carro” passam ao largo da virada da eletromobilidade, ignorando os aspectos mais básicos e elementares desta transição, o Laboratório Nacional de Argonne, que é um centro de pesquisa multidisciplinar de ciência e engenharia do Departamento de Energia dos EUA, desenvolve soluções para tornar a reciclagem num bom negócio.
“Se esta atividade não gerar lucro, ninguém se interessará em investir e quanto mais empresas adotarem nossa tecnologia, mais valor iremos gerar”, pondera a cientista de materiais, Jessica Durham. “Hoje, apenas 5% das baterias de íon de lítio são totalmente reaproveitadas. A pirometalurgia e a hidrometalurgia são processos caros, que demandam a recomposição das matérias-primas, aumentando os custos. Com a flotação, temos um processo simples e obtemos um material reciclado com 99% de pureza”.
Há quem acredite que, num futuro a longo prazo, seja possível estacionar a atividade minerária que abastece o setor. “Se pudermos reaproveitar entre 95% e 98% dos metais de um pacote de baterias, é possível repetir esta operação 100 vezes antes de demandar novos materiais”, assegura Jeffrey Brian “JB” Straubel, que passou a maior parte de seu tempo, nas últimas duas décadas, na Tesla e que, agora, é presidente-executivo (CEO) da Redwood Materials, parceira da Ford no reprocessamento de conjuntos. “Não podemos esquecer que, se no passado, marcas como a Tesla tiveram vários anos para amadurecer seus produtos e sua tecnologia, quando praticamente não havia concorrência, no presente, uma companhia já ingressa na disputa a partir de investimentos de US$ 11 bilhões (o equivalente a R$ 55 bilhões)”, acrescentou.
Em relação às matérias-primas, os EVs seriam mais recicláveis que modelos convencionais, mas isso sob determinado prisma. “Ao longo de sua vida útil, o automóvel equipado com motor a combustão queima o equivalente a uma pilha de barris de petróleo com 25 andares de altura, ao passo que se levarmos em conta o reaproveitamento dos metais usados na produção de uma célula de baterias, apenas 30 quilos seriam desperdiçados”, assegura o analista de transporte e eletromobilidade da Transport & Environment (T&E), que nada mais é do que a Federação Europeia de Transporte e Meio Ambiente, Lucien Mathieu. “Em 2035, 25% do lítio e 65% do cobalto usados na fabricação de uma nova bateria serão provenientes de reuso”, projeta.
Como o leitor pode ver, apesar de o combustível queimado por um automóvel comum ser de 300 a 400 vezes maior que o peso do material irreciclável de uma bateria de íon de lítio, é preciso se esforçar para entender isso como uma vantagem. “Os EVs são responsáveis por maiores emissões, durante seu reprocessamento, já que na sua desmontagem, reciclagem e recuperação são emitidas 2,4 toneladas de gás carbônico, por unidade, contra 1,8 tonelada em relação a um modelo equipado com motor a combustão. E esta diferença se deve, principalmente, às baterias”, esclarece o professor Ralph Brougham Chapman, diretor de estudos ambientais da Victoria University of Wellington, na Austrália. “Todavia, componentes reciclados de baterias podem ser usados em pacotes subsequentes, o que trará benefícios futuros”.
Já no Brasil, uma parceria entre a Associação Brasileira de Baterias Automotivas e Industriais (Abrabat), a Associação Nacional dos Sincopeças do Brasil (Sincopeças) e o Instituto Brasileiro de Energia Reciclável (Iber), com apoio do Ministério do Meio Ambiente, possibilitou a reciclagem de 838 mil toneladas de materiais, entre 2019 e 2021, a partir da coleta de mais de 46 milhões de baterias de chumbo. Ou seja, enquanto o mundo se prepara para o reprocessamento dos pacotes de baterias usados pelos EVs, em Pindorama comemora-se o reuso de materiais das baterias automotivas do século passado – aquelas das marcas Moura, AC Delco, Bosch e Heliar. Como não me canso de dizer, temos o que merecemos…