Eles assumirão a liderança nos testes de colisão a partir de 2026

Crash test com o Wulling Mini EV (branco), que é modelo elétrico mais vendido do mundo; EVs chineses já integram classificação V2X, ou ‘vehicle-to-everything’, referência para plataformas que combinam conectividade, assistência de direção e condução autônoma
Crédito – ChinaNCAP

Hoje, não há mais dúvidas de que as montadoras chinesas são as mais competitivas do mundo e prova disso é o lucro líquido de mais de US$ 2,5 bilhões (o equivalente a quase R$ 13 bilhões!) que a BYD espera para o fechamento de seu balanço de 2022. “Eles trabalham muito e, realmente, são mais inteligentes. Felizmente, somos capazes de atrair seus talentos e esperamos continuar nosso intercâmbio profissional”, reconheceu à agência Reuters ninguém menos que o presidente-executivo (CEO) e todo-poderoso da Tesla, Elon Musk. Ele promoveu o chinês Tom Zhu, recentemente, para gerir toda a parte de produção e vendas da marca nos Estados Unidos e Europa. Portanto, se o leitor discorda de Musk e é daqueles que enxerga os automóveis de trás da Grande Muralha como produtos de baixa qualidade e segurança deficiente, é bom rever seus conceitos: “Os carros chineses assumirão a liderança nos testes de colisão do EuroNCAP a partir de 2026, quando o instituto terá uma nova classificação – V2X ou ‘vehicle-to-everything’, referência para plataformas que combinam conectividade, assistência de direção e condução autônoma”, pontua o fundador e diretor de tecnologia (CTO) da fornecedora de semicondutores ‘fabless’ Autotalks, Onn Haran. “Isso ocorrerá porque seus mais recentes lançamentos já integram este conceito, antecipando a mudança na classificação do ChinaNCAP, que ocorre já em 2025”.

Como tudo que envolve a virada da eletromobilidade, a conectividade é um fator que ganha nova dimensão no mundo das quatro rodas, até porque a condução autônoma não se implementa em modelos equipados com motor a combustão – é incrível, mas ainda tem gente que diz entender de carros, mas não se deu conta disso: de que nunca haverá um modelo autônomo movido a gasolina à venda. “A Tesla seguirá como maior marca de EVs do mundo, mas estou certo de que o segundo lugar ficará com uma montadora chinesa”, prevê o, agora ex-trilionário, Musk, cuja prepotência é inabalável. Na verdade, ele já tinha reconhecido os fabricantes chineses como os mais competitivos do setor, em 2021, mas é o lucro líquido de US$ 31,5 bilhões (equivalente a mais de R$ 160 bilhões!) anunciado pela CATL, gigante das baterias, que deixou Musk e todo o mundo ocidental boquiabertos.

Apenas para o leitor ter uma ideia, números consolidados de 2022 e divulgados nesta semana pela Jato Dynamics colocam a Fiat na liderança nacional, em termos de faturamento – não confundir com lucro. Sua caixa registradora fechou o ano passado com a cifra de R$ 45,3 bilhões, mas, deste total, menos de 10% são traduzidos em lucro líquido, que é o que sobra do faturamento depois que todos os custos de produção e impostos são deduzidos. Neste caso, estamos falando de algo em torno de R$ 3,5 bilhões, descontadas despesas fixas e variáveis – ou seja, estamos falando de um ganho 45 vezes menor que o anunciado pela CATL. A gigante chinesa entregou mais de 170 gigawatts-hora (GWh) em pacotes de baterias globalmente nos últimos 12 meses, o que representa 102% a mais do que em 2021 e corresponde a 35% de toda a energia elétrica consumida no Brasil, durante um ano inteiro!

Nos últimos 30 dias, as ações da Tesla caíram 6,3%, enquanto as da BYD subiram 4,4%. Hoje, o valor de mercado da empresa (US$ 526 bilhões) de Elon Musk está próximo da metade daquilo que ela valia há exatos dois anos (US$ 1,06 trilhão). Já a CATL viu seus papéis dispararem 24,5%, só em 2022, atingindo um valor (US$ 171,5 bilhões) 3,5 vezes superior ao do grupo Stellantis (US$ 48,5 bilhões e queda de 2,8%, nos últimos 30 dias) e 15 vezes maior que o Renault (US$ 11,4 bilhões e queda de 4%). Em um mundo completamente financeirizado, isso significa exatamente o que os próprios números sugerem: que nenhum investidor em sã consciência vai deixar de aplicar seu capital na CATL para colocá-lo na Tesla, quanto mais na Stellantis ou na Renault. Mas há que se fazer a ressalva de que, para o consumidor com recursos que mal dão para a aquisição do próprio automóvel, a qualidade e proteção são pontos muito mais relevantes do que a saúde financeira de uma companhia.

Vazamento e alta voltagem

Pois bem e de volta ao campo da segurança, uma grande transformação também se anuncia, neste tópico. “De forma geral, os modelos de marcas chinesas vêm melhorando seu desempenho nos testes do EuroNCAP, paulatinamente. Portanto, estamos falando de uma liderança previsível no campo da segurança, mesmo que o protocolo do instituto europeu só exija a tecnologia V2X como item obrigatório, a partir de 2029. Então, alguns fabricantes europeus podem até mesmo adiar seu implemento, mas as notas dos EVs chineses darão um salto qualitativo já em 2026, considerando sua experiência acumulada. Eles irão para o topo da tabela”, prevê Onn Haran, da Autotalks. Hoje, o NCAP norte-americano promove, junto com a Administração de Segurança Rodoviária (NHTSA) de lá, testes que investigam se, em caso de acidente, há vazamento de eletrólito, se as baterias permanecem integradas à estrutura e se pode haver curto-circuito entre o pacote e a carroceria capaz de expor ocupantes e até mesmo socorristas à alta voltagem.

Os EVs chineses já encaram esse tipo de teste, nos EUA, e vêm se saindo muito bem. “Os fabricantes têm feito um trabalho surpreendente. Seu desempenho nos nossos ‘crash tests’ é muito bom e não observamos, até agora, fuga de corrente ou curtos”, comenta o vice-presidente de pesquisas do Instituto de Seguros para Segurança Rodoviária (IIHS), Raul Arbelaez. “Por enquanto, as classificações têm como base os mesmos fundamentos dos modelos convencionais – equipados com motor a combustão: medimos a intrusão estrutural e identificamos as lesões fictícias em ‘dummies’. Acrescentamos, no caso dos EVs, o monitoramento da temperatura do pacote de baterias, após a colisão, e teremos um novo teste que vai expor a bateria à água, durante o carregamento e após a batida”, acrescentou.

Quando se fala de ‘crash tests’ trata-se, basicamente, da busca por uma maior resistência ao choque. “Os EVs têm que cumprir um padrão regulatório equivalente ao que os modelos com motor a combustão devem seguir, para incêndios causados por vazamento de combustível após um acidente. Os veículos 100% elétricos que não cumprem este protocolo não atingem a classificação máxima – de cinco estrelas – do NHTSA”, pontua o diretor global de segurança da Hyundai, Brian Latouf. “Sempre lembrando que mesmo os automóveis mais bem ranqueados nas colisões frontais, que são feitas a 64 km/h, teriam uma enorme piora em suas notas se a mesma prova fosse feita a uma velocidade de 90 km/h. Até agora, os EVs não apresentam risco de incêndio em decorrência de uma batida de baixa e média gravidades, mas qualquer acidente rodoviário a mais de 90 km/h pode ter resultados catastróficos”, complementa Latouf.

Nota máxima

O leitor que chegou até aqui deve ter percebido que os maiores especialistas em segurança automotiva do mundo, executivos que administram verbas bilionárias para pesquisa e desenvolvimento, contradizem a opinião daquele seu amigo “entendido de carros”, que compara os EVs chineses a carrinhos de golfe – coitado. “É fato que bilhões de modelos equipados com motores a combustão foram produzidos e testados por longos períodos. Obviamente, precisamos de mais tempo e mais dados para certificarmos os EVs, mas os fabricantes chineses vêm fazendo avaliações exaustivas, neste sentido”, destaca Raul Arbelaez, do IIHS. Vale lembrar que o novo “SEV” Atto 3, da BYD, conquistou a nota máxima do EuroNCAP, em outubro do ano passado, enquanto o sedã elétrico Mobiliza Limo, da Renault – ambos modelos totalmente desconhecidos no Brasil – não passou de quatro estrelas. A Great Wall também cravou cinco estrelas para o ORA Funky Cat.

De qualquer forma, o risco de incêndio em um EV (0,03%), logo após um acidente, é bem menor do que em um modelo com motor a combustão (1,5%). E contrariando o senso comum, de acordo com Instituto de Estatística de Prejuízos Rodoviários (HLDI) norte-americano, entidade “irmã” do IIHS, os veículos híbridos são os mais propensos a este tipo de ocorrência (risco de 3,4%). Mas tanta preocupação se justifica, porque para apagar o fogo de uma bateria automotiva é necessário 30 vezes mais água – isso em função do calor gerado.

Nunca é demais lembrar que um dos marcos dos EVs foi o recall de quase 70 mil unidades do Chevrolet Bolt, produzidas entre 2017 e 2019, em função do risco de incêndio – em 2021, a General Motors desembolsou cerca de US$ 800 milhões (o equivalente a R$ 4 bilhões) para substituição da bateria do modelo. “A legislação vem evoluindo, puxada pela China que implementou novas regulações de segurança contra incêndios para EVs, há dois anos. Soluções que incluem mantas de cerâmica, aerogéis e revestimentos resistentes ao fogo, além de todo um portfólio de polímeros retardadores, incluindo silicones, policarbonatos, poliésteres e outros também colocaram os chineses à frente, quando avaliamos novas cadeias de suprimentos”, detalha o coordenador de testes do IIHS, Sean O’Malley. “Até agora, não identificamos nenhum evento de fuga térmica e, à medida que seguimos com nossas avaliações, está claro que os EVs são tão seguros quanto os modelos convencionais”