No dia mais lindo da viagem, Líbera chorou

Trajeto                 Uyuni (BOL) – San Pedro do Atacama

Terreno                asfalto, terra e pedra

Temperatura        -12 a 18°C

Altitude               3.653 a 2.408 metros

Sob um frio de -12 °C, a piloto precisou parar sua X-ADV e entrar no WR-V de Amyr Klink para se esquentar antes da fronteira Bolívia-Chile

Amyr sumiu. Ele vinha no fim do comboio dos Honda WR-V e desapareceu no retrovisor. Andamos mais um ou dois quilômetros e resolvemos encostar para esperá-lo. Cinco minutos e nada. Dez minutos. Quinze. Havíamos saído meia hora antes do Uyuni, na Bolívia, rumo à fronteira com o Chile. A estrada de terra, areia, pedra e sal, ladeada por pequenas trompas de lhamas e um córrego congelado,até exigia cuidado, mas nada que levantasse qualquer preocupação.

Fazia frio. Os termômetros do WR-V marcavam -9 °C, a despeito do céu azul e do sol.Quase 20 minutos depois, lá atrás, no horizonte, pertinho da entrada da cidade de San Cristobal, onde está a segunda maior mina do planeta, surgem o WR-V de Amyr e as duas Honda X-ADV. O problema não havia sido com o navegador. Mas com Líbera. A piloto da scooter congelou. Não conseguia se mexer. Não conseguia sequer movimentar os dedos para segurar com a firmeza necessária o guidão.Imagine pilotar uma moto a -12 °C a mais de 3.500 metros de altitude.Parar era questão de segurança. Líbera parou. Por essas sortes que só acontecem com quem merece, dois minutos depois Amyr, em um raro momento retardatário, passou pelas motos. E parou.

Nesse momento, o interior do SUV da Honda ostentava 22 °C. Líbera entrou e ali ficou com as mãos na saída de ar quente por dez minutos. Nesse meio tempo, a temperatura externa foi subindo aos poucos. Líbera, o alto astral em pessoa, foi retomando os movimentos e o sorriso de sempre no rosto. Voltou ao assento da X-ADV e, guerreira, seguiu em frente na companhia do piloto Marcelo Leite, que também sofria com o frio.

Mais tranquilos com a volta de Amyr e com o aquecimento de Líbera, voltamos para a estrada. E que estrada. De beleza ímpar. O ponto alto desse primeiro trecho do dia e último trecho em terras bolivianas foi o Vale das Pedras, onde pedras de um monte de tamanhos e formatos se esparramam às margens da estrada por quase um quilômetro. Um cenário lindo e inexplicável até Amyr explicar. Aquelas pedras lindas que merecem ser escaladas, fotografadas e filmadas por todos os ângulos teriam sido arremessadas em alguma erupção longínqua pelo vulcão Ollague, cravado quilômetros adiante, exatamente na fronteira Bolívia-Chile.

Não era prudente perder muito tempo admirando as formações rochosas. A informação que tínhamos é que devido ao feriado da independência boliviana, a fronteira poderia ficar aberta somente até o meio-dia. Chegamos na aduana às 11h50, meia hora depois de Líbera e Marcelo. O complexo fica exatamente diante do Ollague, um gigante que toca o céu a 5.870 metros de altitude e que está ativo, como prova uma fumarola charmosa escapando pelo canto da cratera.

Na fronteira, descobrimos que ela ficaria aberta até bem mais tarde, mas…, mas…, mas… os responsáveis pelo posto estavam participando dos festejos da independência e estariam de volta em uma hora.Demoraram um pouquinho mais, mas foram ágeis nos trâmites. Do lado chileno, uma revista feita com a ajuda de labradores vasculhou ora minuciosamente, ora com vista grossa cada carro e cada mala.

Documentos pra lá e pra cá, fomos liberados. Paramos para comer na minúscula Ollague, lar de 160 pessoas, onde encontramos um pão com carne e queijo, ou apenas com queijo para os dois vegetarianos da equipe: a repórter digital Flavia Vitorino e o fotógrafo Erico Hiller. De volta à estrada deu-se, inesperadamente, o dia mais bonito da viagem. O visual rumo sul a partir da Ruta 21-CH é incrível. A estrada passa pela Reserva Nacional Alto Loa, a maior do Chile, e palco de montanhas avermelhadas encimadas por um toquinho de neve, vales levemente esverdeados, lhamas brancas e pretas e lagoas recheadas de flamingos.

Tamanha beleza obrigou paradas frequentes para captar imagens e complicou os planos de chegar antes do anoitecer à San Pedro do Atacama. Demoramos mais de três horas para percorrer menos de 70 quilômetros. Levamos os WR-V até a beira do salar del Carmen – que é a tal lagoa dos flamingos. E foi ali que o sol se escondeu atrás de uma montanha acabando com a nossa brincadeira. Já eram mais de 17h30 e tínhamos mais de 200 quilômetros de estrada. Portanto não sabemos dizer o que há nesse trecho final, mas garantimos que esse teco inicial vale cada quilômetro rodado

Por volta das 21h, quando chegamos ao hotel Tierra Atacama, a dez minutos do centro de San Pedro, Líbera e Marcelo já estavam de banho tomado e prontos para o jantar. Papo vai, papo vem, ela revela ter chorado. Líbera chorou. “E olha que eu não chorava há muito tempo.” As lágrimas escorreram quando a piloto chegou à fronteira. “Foi meu maior desafio. Maior que qualquer etapa do rali dos Sertões. O choro não foi de dor, mas de emoção, de vitória, de felicidade por estar vivendo o que estou vivendo”, contou Líbera, novamente emocionada. Marcelo, um dos pilotos com mais horas de voo em viagens sobre duas rodas mundo afora, seu companheiro de viagem, pediu a palavra. “Conheço muito esse mundo dos pilotos que fazem longas viagens. Conto os guerreiros de primeira linha na palma de uma mão. A Líbera está entre eles.”

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Fotos: Érico Hiller