Foi ao sertão do Ceará, seguida de uma a Londres.

Logo após chegar de uma viagem à Inglaterra, a convite da Ford, em setembro, onde dirigi caminhão com volante do lado direito e mudando de marcha com a mão esquerda (ufa!), fui parar em Iguatu, ao lado do açude de Orós, no sertão do Ceará. Londres, claro, foi ótimo, mas Iguatu…

Tudo aconteceu porque a Mercedes, naquele fatídico setembro de 1982, demitiu, num só dia, 5.000 funcionários. Ano difícil para o setor de caminhões e ônibus. Imaginem a zona que virou São Bernardo do Campo. O funcionário chegava e era encaminhado para o departamento pessoal da empresa.

O que aconteceria com tanta gente desempregada. Procurei o sindicato onde soube que muita gente estava voltando para seu lugar de origem. Tive três nomes para escolher. Um deles voltaria para Iguatu, no sertão do Ceará. E pra lá fui eu no dia sete de setembro, 72 horas de ônibus em uma inesquecível viagem.

A cozinha
As primeiras horas foram tranquilas, ouvindo histórias aqui e ali. E constatando que a grande maioria voltava pra casa, depois de perder o emprego. Me desculpem, mas não lembro o nome do meu companheiro de viagem. Mas saibam que ele chegou em São Bernardo do Campo com três filhos – deixara um em Iguatu – e voltou com dois, pois um deles criara raízes em São Paulo.

Ao escurecer, um movimento no ônibus, com a maioria dos passageiros caminhando em seu interior. E um cheiro forte de comida invadiu o ambiente. E percebi que a razão do vai-e-vem era para colocar a marmita para esquentar na “cozinha”, uma plataforma colocada sobre o motor do ônibus, que ficava lá no fundão. A chapa, em geral de metal, esquentava e dava uma leve aquecida na refeição.

Bem, depois de duas noites a bordo e um pneu furado, apenas um, chegamos a Iguatu.

Depois de apenas um banho (balde/chuveiro) em 72 horas, precisava de um de verdade.

Cheguei ao hotel, me registrei e corri pro quarto com banheiro. Ao ver que só havia uma torneira do chuveiro, fui até a recepção e perguntei se não tinha água quente.

– Quente até demais. Foi a resposta. Eu não sabia, mas a temperatura média em Iguatu passa dos 35° e a caixa d’água fica a céu a aberto. A água estava quente. E muito!

Depois do banho fui almoçar. Fechei o quarto e estava colocando a chave sobre o balcão quando o recepcionista disse que não precisava, que podia deixar a porta sem tranca. Aleguei que tinha minhas coisas lá, máquina de escrever, etc.

– Olha moço, conhecemos todo os hóspedes. O único desconhecido aqui é o senhor.

Constrangido, mostrei minha credencial de repórter de O Globo (Sucursal de São Paulo). Dei a ele um cartão de visita e fui comer uma deliciosa carne de sol no restaurante ao lado.

O vento
Antes de uma entrevista com o bispo, passei pela cidade. Fui ao mercado municipal, andei pelas ruas, conversava com as pessoas, em sua maioria, receptivas, falantes, especialmente depois que me identificava como jornalista.
Bom, chegou a hora da entrevista com a autoridade eclesiástica da cidade (o prefeito estava fora) para falarmos das coisas da terra. Mas ele não era muito de falar.

Bem, quando fui caminhando até a casa dele, me deparei com uma cena muito curiosa. Dos dois lados da rua, as pessoas assistiam televisão do lado de fora da casa. A TV era colocada sobre uma pequena plataforma e as famílias ficavam lá, assistindo seus programas preferidos.

Mas o curioso era que, todos, sem exceção estavam sentados em cadeiras de balanço. Fui, entrevistei o bispo, rapidamente e, na volta, resolvi saber: por que as cadeiras de balanço?

Me aproximei, me identifiquei e perguntei se podia conversar um pouco. Aquele que parecia o chefe da família logo ordenou: “ô muié, traga lá uma cadeira pro jornalista, que ele qué proseá um pouco”.

Ela trouxe uma cadeira de balanço e perguntei, por que tipo de cadeira?

Simples, disse ele, assim não precisa usar a ventalora pra se refrescar. Sábia escolha.

Quando perguntei até que horas eles ficavam ali, na calçada, explicou que até que o vento chegasse.

Vento?

É – disse – todo dia, logo depois da novela das 9 (naquele tempo os programas tinham horário) bate um vento que vem lá da África, que refresca a cidade e a gente vai dormir. Olha, ele já vem vindo, anunciou.

Olhei ao longo da rua e, em ambos os lados, as cadeiras de balanço estavam sendo guardadas. O vento trazendo “a fresca” já chegara lá no começo da rua.

Logo chegou onde eu estava e a temperatura caiu agradavelmente.
Viu? Perguntou meu anfitrião. Toda noite é assim, o vento passa o dia dando volta ao mundo e chega aqui depois da novela das 9.

Boa noite!!!

chico lelis
*chicolelis – [email protected] Jornalista com passagens pelos jornais A Tribuna (Santos), O Globo e Diário do Comércio. Foi assessor de Imprensa na Ford, Goodyear e, durante 18 anos gerenciou o Departamento de Imprensa da General Motors do Brasil. Assina a coluna “Além do Carro”, na revista Carro, onde mostra ações do setor automotivo nos campos Social e Ambiental.
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