Risco de fatalidade num acidente a 64 km/h e de quase 70% segundo a LatinNCAP
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Bateu? Morreu! C3, da Citroën, acaba de ser reprovado “com honras militares” nos crash tests do LatinNCAP, pela construção deficiente, de baixíssima resistência incapaz de garantir o mínimo de segurança para seus ocupantes
A resposta mais óbvia é “não”, mas, só no primeiro semestre deste ano, mais de 11 mil brasileiros pagaram caro para correr este risco, permanentemente, a bordo do C3, da Citroën. O compacto acaba de ser reprovado “com honras militares” nos crash tests do LatinNCAP, programa que é a referência global na avaliação da segurança veicular. Não bastasse a “fraca proteção” para condutor e passageiro dianteiro, a estrutura do modelo foi classificada como “instável, não tendo capacidade para suportar cargas maiores”. Ou seja, o Citroën C3 feito e vendido no Brasil é um automóvel de construção deficiente, de baixíssima resistência ou, resgatando um termo das décadas de 70 e 80, uma lata de sardinha, um carro cujo “esqueleto” e armações são incapazes de garantir o mínimo de segurança para seus ocupantes – antes que alguém venha defender a Citroën é bom frisar que, se oferecesse proteção mínima, o C3 “made in Brazil” teria recebido ao menos uma estrelinha, entre as cinco possíveis.
Considerado um modelo de apelo feminino, o C3 é mais contraindicado justamente para elas. “De acordo com o Instituto para Segurança Rodoviária do setor de seguridade norte-americano (IIHS), as mulheres têm quase 30% mais chances de morrer em acidentes de carro do que os homens e até 70% mais chances de sofrer ferimentos graves, mas os bonecos ‘dummie’ usados representam as reações do corpo de um homem”, destaca o presidente da Humanetics, empresa de tecnologia industrial líder em dispositivos de teste antropomórficos, Barney Loehnis. “De qualquer forma, os ‘dummies’ são biofiéis, compostos de dezenas de células de carga e sensores que medem o impacto com detalhes precisos”, destaca Loehnis, chamando atenção para a confiabilidade dos resultados do LatinNCAP
Em qualquer lugar civilizado deste mundo, o resultado obtido pelo compacto francês seria sua sentença de morte, já que sua procura iria, simplesmente, derreter. Mas aqui na “Terra de Vera Cruz”, mesmo com o número alarmante de mortes em acidentes de tráfego – mais de 350 mil pessoas só nos últimos dez anos, de acordo com o Ministério da Saúde, o que equivale a sete vezes o número de mortos, até agora, na Guerra da Ucrânia – o consumidor dará pouco ou nenhuma importância para isso. Faço esta afirmação sem medo nenhum de errar, porque o tupiniquim se realiza tanto com a compra de um 0 km que, literalmente, não se importa em morrer esmagado dentro dele, num acidente a – nunca é demais repetir – apenas 64 km/h. De acordo com o relatório do LatinNCAP, o C3 nacional “não atende os requisitos estruturais nem impacto traseiro”, pondo a vida de seus ocupantes em risco até mesmo no caso de um engavetamento.
Mais do que uma evidente e inconteste prova da desqualificação do C3 produzido nacionalmente, o resultado do LatinNCAP mostra a diferença de tratamento que recebe o consumidor brasileiro, em relação ao europeu. Lá, o “mesmíssimo” C3 obteve quatro estrelas em uma bateria de testes ainda maior do que a feita na América Latina. Os franceses, espanhóis, alemães, italianos e portugueses que rodam a bordo do compacto, na Europa, têm 88% de chances de saírem ilesos em uma batida frontal, nessa mesma velocidade – aqui, o infeliz proprietário e seu carona não têm mais do que 31% de levarem apenas um susto, nas mesmas condições. Em outras palavras, é como entrar em um avião sabendo que não há garantia de que, ao final do combustível, existirá um aeroporto para aterrissar.
Desculpa não cola
Para o leitor ter ideia da gravidade do resultado do C3, no último mês de março, o IIHS publicou um estudo que comprova a eficiência da parametrização dos crash tests com acidentes reais. “Sobrepomos dados e apuramos que um modelo de boa classificação, nos testes de laboratório, apresenta uma variação de apenas 12% em relação ao seu equivalente que se envolve em uma batida no tráfego”, afirma o diretor de estatística do instituto norte-americano, Eric Teoh. “As classificações são fundamentadas na análise da intrusão no compartimento dos ocupantes, nas aferições de lesões coletadas dos manequins e na avaliação de Engenharia”, pontua Teoh, acrescentando que, com o avanço das metodologias de classificação e contrariando os resultados vistos nesta semana, no LatinNCAP, quase todos os modelos testados obtêm boas notas. E é exatamente isso que se espera de uma montadora que, em tese, investe bilhões em pesquisa e desenvolvimento, mas quando se trata da Citroën brasileira, parece que o uso de papelão – vide seu carro-conceito Oli, apresentado em agosto do ano passado, em Paris, como alternativa para “um mundo sem recursos” – já é realidade. E o pior é que não há razão para isso.
Em 2014, a então PSA Peugeot-Citroën recebeu um benefício fiscal de R$ 3,7 bilhões, dinheiro meu, seu, nosso, de todos os contribuintes brasileiros. No ano passado, números da Jato Dynamics mostram que só a Citroën faturou cifra idêntica, R$ 3,7 bilhões, no mercado brasileiro – só em 2021, as remessas de lucro das montadoras instaladas no país para suas matrizes totalizaram US$ 857 milhões (o equivalente a R$ 4,1 bilhões), mesmo sob os impactos negativíssimos da pandemia. Como se vê, a precarização do produto – escancarada na estrutura deficiente do C3 – “made in Brazil” não encontra abrigo na suposição de prejuízo ou outra desculpa do tipo.
Infelizmente, o Citroën C3 não está sozinho e, na mesma bateria de crash tests, outro modelo do grupo Stellantis, o Jeep Renegade, também se destacou negativamente, com apenas uma estrela de pontuação. Apesar de sua “estrutura ser considerada estável”, a proteção para cabeça foi considerada ruim, no caso de uma batida lateral. No caso de um acidente frontal a 64 km/h, seu motorista e o passageiro da frente terão que contar com a sorte, porque as chances de terem uma lesão fatal ou sobreviverem com apenas uns arranhões são as mesmas – o destaque positivo das mais recentes provas do LatinNCAP foi o Volkswagen Taigun, com cinco estrelas (pontuação máxima) e excelentes níveis de proteção para condutor, passageiros e até mesmo crianças, além de ser um veículo que, na medida do possível, é pouco ofensivo aos pedestres, em caso de atropelamento.