EV que acaba de ser lançado, na China, tem 3,58 m, vai de 0 a 50 km/h em 7 s e custa menos de R$ 42 mil
O comportamento do consumidor brasileiro, mormente observado no mercado de carros de passeio, é digno de um estudo psicanalítico. Ocorre que sobram críticas a cada vez que surge um EV chinês com preço abaixo dos R$ 50 mil, ao mesmo tempo em que os detratores fazem fila para pagar R$ 100 mil pela edição de despedida do Gol, popular da Volkswagen que, para além da fama de econômico e resistente, remete à era Cenozóica. É como se o sujeito descontasse a falta de amor próprio, por financiar a perder de vista um veículo ultrapassado e de baixíssima, nos “caixotinhos” chinesinhos que são a porta de entrada à eletromobilidade para uma população de 1,4 bilhão de pessoas. Bom, o novíssimo BOX Cai Wenji, da Lingbox Auto, não se envergonha das linhas personalíssimas e destaca o estilo quadradinho no próprio prenome.
O EV de 3,58 metros de comprimento é 10 cm menor que o Kwid, da Renault, com uma distância entreeixos (de 2,45 m) 3,5 cm maior. Em termos visuais, ele lembra o Daewoo Matiz de primeira geração, levando vantagem de 19 cm sobre o Kwid, em altura, mas perdendo para o Renault na largura – o chinesinho é 10 cm mais estreito. O motor elétrico de 35 kW, equivalente a 48 cv, é o único disponível para o subcompacto, que acelera de 0 a 50 km/h em 7 segundos, empurrado pelo torque instantâneo de 12,7 mkgf – a velocidade máxima é limitada a 101 km/h. Apenas para efeito comparativo, sua oferta de força é 42% superior à do motor 1.0 litro 12V, que equipa o Kwid brasileiro.
Na China, BOX Cai Wenji parte de 56.800 yuans, o equivalente a menos de R$ 42 mil. Na ponta do lápis, o EV é 30% mais barato que a versão Intense 1.0 do popular da Renault, mas suas vantagens não se resumem ao menor custo de aquisição. É que o chinesinho significa a emancipação do seu proprietário em relação aos postos de combustíveis, com uma autonomia de 220 quilômetros, sem necessidade de recarga das baterias de fosfato de ferro-lítio (LFP). Por falar nelas, o pacote de 19,2 kWh pode ser recarregado em apenas 75 minutos (de 20% a 80% da capacidade), usando um carregador rápido – na tomada de energia convencional, a recarga completa leva longas 11 horas.
Vejamos como isso funciona, no seu bolso: de acordo com a Petrobras, o preço médio do litro da gasolina no Brasil, no período de 20 a 26 de novembro, ficou em R$ 6,68. Assim, se tomarmos por base a média urbana de 10,3 km/l declarada pela própria Renault para o Kwid Intense 1.0, o custo do quilômetro rodado com o popular não sai por menos de R$ 0,65. Com o BOX Cai Wenji, este gasto seria 13 vezes menor e não chegaria a R$ 5 – cinco míseros reais – a cada 100 quilômetros rodados.
Críticas até para o Buda
Diante destes números – preço 30% inferior e consumo 13 vezes menor – restará a difamação aos críticos que, mesmo sem nunca terem sobrevoado Pequim ou Jiangsu, colocarão em xeque a qualidade, a durabilidade e a tecnologia deste EV. Obviamente, muitos deles o farão com seus iPhones “made in China” no bolso, mas isso é outro assunto. Se receberem atenção, os maledicentes não pouparão o Partido Comunista (中国共产党), o presidente Xi Jinping e nem o próprio Buda. Da mesma forma que não entendem de eletromobilidade, desconhecem que Buda não era chinês, mas nepalês (na verdade, nasceu na Índia Antiga), e que a religião tradicional da China é o shenismo – o budismo é majoritário na Tailândia, no Japão, Malásia, em Mianmar e no Camboja.
De volta ao BOX Cai Wenji, seu interior segue o padrão “mangá” e parece saído de uma animação japonesa. Fora os assentos revestidos em tecido, todo o acabamento é em plástico duro. O volante “esportivo” com base semi-achatada não traz nenhum comando e fora a tela de sete polegadas que exibe o painel de instrumentos e o visor de infoentretenimento, de 10,1 pol, há apenas os controles franciscanos da climatização no console frontal. O airbag para motorista é item de série, mas não há bolsa inflável para o passageiro da frente ou freios ABS nem como opcionais – as exigências legais do mercado chinês para os subcompactos faculta isso aos fabricantes, inclusive às marcas estrangeiras que produzem por lá.
O mercado chinês de EVs é muito diferente de tudo o que o leitor já viu. São inúmeras marcas, tantas que muitas vezes é difícil apresentá-las de uma forma inteligível para o consumidor brasileiro. No caso deste lançamento, a Lingbox Auto – que é sua fabricante – faz parte da Jemmel New Energy, startup fundada em Jiangsu, no final de 2018. Portanto, com menos de quatro anos de vida, esta montadora já lançou dois subcompactos 100% elétricos. E a gente aqui, chorando a despedida do Gol…
Por Hometo Gottardello