Potência seis vezes superior e alcance 16% maior não foram confirmados e Tesla perde US$ 170 bi em valor de mercado

Mais do que “senhor da razão”, o tempo vem se configurando no maior inimigo de Elon Musk. É que, enquanto os dias passam, as bravatas do magnata australiano vão engordando sua lista de ‘fakenews’ que, apesar do evidente estelionato intelectual, seguem seduzindo não só os celerados, mas também a gente rica que vem inflando a bolha da Tesla. Quem acompanha o noticiário internacional, principalmente o do setor de finanças, começou a semana com mais um engodo: a famosa bateria cilíndrica 4680, que promete cinco vezes mais densidade, alcance 16% maior e potência seis vezes superior à dos pacotes convencionais, ainda não decolou, ao mesmo tempo em a marca perde mais de US$ 170 bilhões (o equivalente a R$ 886 bilhões) em valor de mercado. “A picape Cybertruck foi apresentada como a quintessência da categoria, a caminhonete mais capacitada de sua classe e um verdadeiro divisor de águas, quando se trata de eletrificação”, lembra o vice-presidente de conjecturas globais da Auto Forcast Solutions, principal fornecedor de bancos de dados, soluções de planejamento e suporte do setor automotivo em nível global, Sam Fiorani.

A Tesla associou a performance da Cybertruck às células 4680 e se há uma verdade a respeito do modelo é que estas baterias são imprescindíveis para a materialização de seus atributos. “O início da produção da caminhonete não está condicionado ao novo pacote, mas trata-se de um avanço que, pelo menos em tese, alicerçaria seu sucesso comercial”, destaca Fiorani. “Sem as baterias 4680, a Cybertruck pode não ter a aceitação que se imagina”, ponderou o analista.

Elon Musk, que sempre tem uma lorota na ponta da língua, parece não se abalar com o atraso na produção tanto das células quanto da Cybertruck, originalmente prevista para 2021. “Já estamos produzindo um volume razoável destas células, na fábrica de Austin, e há um incremento a cada semana, de modo que até o final deste ano alcançaremos números expressivos”, garante presidente-executivo (CEO) da marca, o encantador de serpentes que escolheu o Texas como trampolim para conquistar o mundo. Na semana passada, o fanfarrão teve que prestar contas a acionistas bastante insatisfeitos com a trapalhada que se tornou a compra do Twitter. “De qualquer forma e para ser franco, estamos atualmente fabricando nossos automóveis com as antigas células 2170”, confessou.

Dois anos atrás, o todo-poderoso da Tesla subiu ao palco durante a apresentação do “Dia da Bateria” da marca – antes fosse uma homenagem a John Bonham, Keith Moon, Neil Peart, Ringo Starr, Ginger Baker e Ian Pace, citando apenas alguns dos maiores bateristas do rock – para revelar a “inovadora” célula 4680, projetada para reduzir expressivamente os custos de produção e equipar futuros veículos, como a picape Cybertruck, que demandam muito mais energia do que os EVs compactos e até mesmo os sedãs de luxo atuais. Em 2020, Musk afirmou que a Tesla estaria fazendo mais de um milhão de pacotes deste tipo, no presente. No entanto, a realidade atual é muito diferente do prometido.

‘Output’ mínimo e “grande bagunça”

A bateria cilíndrica 4680 tem 46 milímetros de diâmetro e 80 mm de altura – apenas para o leitor ter uma referência, uma bateria doméstica do tipo “D” mede 33 mm por 62 mm. A estimativa da Tesla é para ganho líquido de 56% no alcance, combinado a uma queda de 54% no custo de produção, quando seus materiais e seus design foram aprimorados, em um segundo estágio. De concreto, o que se tem é um ‘output’ mínimo, um conceito diverso dos pacotes estruturais incorporados à plataforma e um atraso de pelo menos dois anos no lançamento da Cybertruck. “Antes de maio de 2023, a Tesla não atingirá um volume de produção de 5.000 unidades semanais desta bateria. E isso é fato”, avalia Troy Teslike, principal criador de conteúdo sobre a marca, na plataforma Patreon. “Hoje, ela faz 220 pacotes, em Fremont, e cerca de 180, no Texas”.

Já o vice-presidente de engenharia e energia da Tesla, Andrew Baglino, garante que este volume chegará a 1.000 unidades semanais, até o final deste ano. “O objetivo mais urgente do nosso negócio é a confiabilidade e, em seguida, a redução de custos”, disse Baglino aos acionistas, para quem os números da calculadora financeira valem muito mais do que a qualidade, propriamente dita. “Nós não estamos poupando nada e à medida que atingirmos as metas de fabricação que traçamos, iremos introduzir novos materiais e pacotes estruturais de maior alcance ainda”, acrescentou.

Ocorre que as consultorias de investimento não são bobas e, neste exato momento, o aconselhamento para seus clientes exclui a Tesla. “Não é que estamos apostando contra as ações da Tesla, mas temos indicado outras montadoras de EVs, como a chinesa BYD. Por enquanto, a bateria 4680 não passa de uma grande promessa, mas já está claro que ela não será a tecnologia mais barata e nem o conjunto mais seguro. É um conceito que nunca será líder de nada, apenas em densidade de energia”, assegura o presidente-executivo (CEO) da Snow Bull Capital, fundo voltado para multimercados verdes e de alta tecnologia, Taylor Ogan. “Pensei que a Tesla trouxesse uma melhoria substancial em relação à bateria 2170, mas não creio que conseguiu. Sua produção não está escalonada com a dos veículos e me parece que há uma grande bagunça”, completou Ogan, que tem um EV da marca em sua garagem.

Pior, os proprietários e usuários de um pequeno lote do Model Y equipado com as primeiras baterias 4680 não viram diferença, em relação às células 2170. “Aceleração, tempo de recarga e peso são praticamente os mesmos. As unidades produzidas no Texas têm acabamento ligeiramente inferior que os modelos californianos e só”, avalia o empresário Ryan Levenson, da Killowatts, que aluga uma frota de EVs da Tesla na plataforma Turo. “Existem pequenas diferenças que podem ter impacto na experiência do usuário, mas em termos gerais tratam-se de automóveis idênticos”, pontua Levenson.

Baidu e Xiaomi pressionam

No maior mercado de EVs do mundo, a Tesla ainda aparece ao lado da BYD na liderança das vendas, mas as startups vão abocanhar uma parte da fatia que, hoje, é de Musk. Só no segmento de modelos de nova energia (híbridos plug-in e versões 100% elétricas), as vendas chinesas devem atingir um recorde inacreditável de seis milhões, neste ano. A estimava é da Associação de Carros de Passageiros da China (CAAM), que atualizou sua previsão anterior, de 5,5 milhões, depois de divulgar dados de julho, com 486 mil unidades – o que representou 27% das vendas de zero-quilômetros, no país. Deste total, a Tesla respondeu por 28,2 mil unidades, queda de 64% em relação a junho, enquanto a BYD, que em janeiro descontinuou todos seus automóveis equipados apenas com motores a combustão, reportou um volume comercial de 162.5 mil unidades.

Para piorar ainda mais a situação, a Jidu Auto, unidade de EVs da gigante chinesa Baidu, anunciou que estará uma geração à frente da Tesla, no que concerne a tecnologias de condução autônoma, daqui a cinco anos. “Temos uma compreensão simples sobre a mobilidade do futuro: primeiro, a eletrificação e, depois, a automação. Com este planejamento, produziremos e venderemos 800 mil ‘carros-robôs’, já em 2028”, assegura o CEO da companhia, Joe XiaYiping, que também anunciou o lançamento do segundo veículo inteligente (AV) da Jidu para 2024. “No ano que vem, lançaremos nosso primeiro AV para o grande público, sem maçanetas e totalmente operado por comandos de voz”, confirmou o CEO da Baidu, Robin Li. Como se vê, é uma contraofensiva pesada para Musk enfrentar só com a goela.

A Xiaomi também está na fase final de negociações com o governo de Pequim para colocar em prática um programa de US$ 10 bilhões, que dará vida ao seu primeiro EV. Este modelo usará a tecnologia de direção autônoma da Baidu, que tem como base dois sensores LiDAR – que usam lasers pulsados em vez de ondas de rádio, como os radares convencionais da Tesla – e 12 câmeras. Ou seja, há uma bolha se formando e, uma hora, essa bolha vai explodir, mandando pelos ares o dinheiro de quem não ainda não enxergou que Elon Musk é, na verdade, um vendedor de pirâmides.