Grupo que reúne Renault, Nissan e Mitisubishi vai concentrar produção, adotando apenas três plataformas para 90% das gamas de suas marcas, já em 2030; Brasil fica de fora do plano
A Renault-Nissan-Mitsubishi Alliance, um dos cinco maiores grupos automotivos do mundo em termos comerciais e que controla, além destas três marcas, a Infiniti, a Dacia, a Alpine, a Datsun, a Venucia e a Lada, anunciou um plano de investimentos de US$ 26 bilhões (o equivalente a R$ 140,3 bilhões), que dará vida a nada menos que 35 novos modelos elétricos (EVs) e recolocará a companhia de volta aos trilhos, ponto um fim na bagunça deixa para trás pelo ex-todo-poderoso e, hoje, foragido internacional da justiça, Carlos Goshn. “Há três anos, vivíamos uma situação caótica sem precedentes em nossa história, um período de falta de confiança que, felizmente, agora pertence ao passado”, declarou em tom conficional à “AutoNews” o presidente do Conselho de Administração da Alliance, Jean-Dominique Senard. O executivo destacou que o aporte anunciado equivale a mais de o dobro dos US$ 11,3 bilhões que foram investidos, anterior e individualmente, pelas três gigantes que alicerçam o grupo e que, até 2030, ampliará seu portfólio atual de dez EVs para mais de o triplo. A má notícia é que, até agora, o Brasil ficou de fora desta estratégia.
Apesar de, pontualmente, aparecer entre os três maiores grupos automotivos do mundo em vendas, a verdade é que a Alliance não figura nem entre os dez primeiros da lista, em termos de receita. Em 2020, seu faturamento foi de 43,5 bilhões de euros (queda de 21,7%, em relação a 2019) e enquanto não divulga o balanço consolidado do ano passado, deve ser destacado o resultado acumulado nos três primeiros trimestres de 2021, com um aumento de receita de 12,3%, para a casa dos 32,2 bilhões de euros – o equivalente a US$ 35,9 bilhões, ainda muito atrás dos US$ 88 bilhões do Grupo Hyundai e dos quase US$ 99 bilhões da Stellantis, que são os últimos da lista dos dez mais, em nível mundial.
“Após a saída de Ghosn, Renault, Nissan e Mitsubishi focaram seus esforços na luta contra a queda nas vendas e uma verdadeira onda de números que pipocavam em vermelho, ao mesmo tempo em que tentavam segurar os investidores que, diante das grandes perdas, incluindo de credibilidade, estavam se desfazendo das ações do grupo”, avalia o editor para o mercado asiático do jornal “Automotive News Europe”, Hans Greimel.
Eletromobilidade
Bom, ainda é cedo para afirmar que a Alliance recuperará a confiança dos investidores, mas o plano anunciado mostra, primeiro, uma guinada sem retorno à eletromobilidade e uma simplificação industrial que, na prática, tem um grande impacto financeiro e pode ajudar a trazer a rentabilidade de volta. Por isso, antes de o leitor se empolgar com a promessa de lançamento de 35 novos EVs (que, obviamente, têm foco nos mercados de “Primeiro Mundo”), nos próximos cinco anos, e no desenvolvimento de três plataformas inéditas, que serão comutadas por nada menos que 96 modelos das marcas do grupo, é preciso ter uma coisa bem clara em mente: esta não é uma estratégia focada no consumidor, no cliente, mas nos investidores, nos acionistas.
Ao anunciar que apenas três bases congregarão 80% de todas as gamas da Alliance, já em 2026, saltando para 90%, em 2030, a companhia está dando uma garantia de lucratividade para seus acionistas. “Fomos questionados se o plano que apresentamos não é modesto, diante dos valores recentemente anunciados pela Volkswagen – cerca de o dobro. Bom, acreditamos que é mais do que suficiente”, assegurou a diretora financeira da Renault, Clotilde Delbos. “Quando nos juntamos, não formamos um time de segunda divisão”, completou o presidente-executivo (CEO) da marca francesa, Luca de Meo, reafirmando a capacitação da Alliance.
Apenas para se ter uma ideia da concentração de esforços, a base CMF-EV, que hoje é usada apenas por dois modelos, o Nissan Ariya (produzido Tochigi, no Japão) e o Renault Mégane E-Tech Electric (feito em Douai, na França), será comutada por 15 EVs de cinco marcas (Mitsubishi, Infiniti e Alpine, além da Nissan e da Renault) até 2030, quando a Alliance estima a montagem anual de 1,5 milhão de automóveis elétricos só sobre esta plataforma. E com esta base, a Renault pretende reduzir em 33% seus custos. “Hoje, aceleramos nossa estratégia ‘made in Europe’, com a fusão de três fábricas – entre elas a de Douai – que vão compor o mais competitivo complexo de eMobility”, destacou de Meo.
Por aqui, encolhimento
Ou seja, não é necessário ser economista ou engenheiro de produção para saber que, para as unidades fabris brasileiras de Renault e Nissan, a perspectiva é de encolhimento até sabe-se lá o quê. E se alguém das subsidiárias nacionais quiser contradizer os chefões mundiais das marcas, é bom dar uma olhada nos números da última década, antes: juntas, Renault e Nissan viram suas vendas encolherem 44,5% no mercado nacional, de 346,2 mil unidades para 192 mil unidades anuais. Se levarmos em conta que, só a plataforma CMF-EV servirá para a montagem de 1,5 milhão de unidades anuais (quase dez vezes mais), é de se perguntar por que um grupo que busca voltar aos lucros manteria duas fábricas em operação, em terras tupiniquins, se, juntas, elas produzem 15% do que a matriz pretende fazer só com uma de suas novas bases elétricas.
Pior, enquanto o Brasil segue montando automóveis de origem romena e indiana com motores a combustão interna, a Alliance tem um plano ambicioso para fabricação de baterias especiais de alta performance, em cooperação com a francesa Verkor e em parceria com a sul-coreana LG Energy Solution e chinesa a Envision. “Hoje, nos baseamos na expertise de quem tem 320 mil EVs rodando e, só entre 2020 e 2021, coletamos nada menos que 300 terabytes de dados sobre a operação dos pacotes que equipam estes veículos”, comenta o vice-presidente executivo de engenharia da Renault, Gilles Le Borgne. “As baterias ainda representam 40% do custo de produção de um modelo elétrico e essa expertise é fundamental para desenvolvermos veículos verdes mais acessíveis e competitivos”, completou.
Outro fator que mostra o parcial abandono das subsidiárias nacionais das marcas que compõem a Alliance pode ser observado pela questão trabalhista. É que enquanto a Renault negocia acordos com os sindicatos franceses, para a combinação da força operária que tem em três fábricas (Douai, Maubeuge e Ruitz) para seu conceito de ElectriCity, inclusive ampliando em 15% sua mão de obra com a geração de 700 novos postos diretos, a mesma marca reduz em 10% seu quadro na planta de São José dos Pinhais (PR). Não é à toa que os R$ 140,3 bilhões confirmados para o novo plano de eletrificação e modernização dos portfólios de todas as marcas que compõem a Alliance representam, na ponta do lápis, 130 vezes mais do que o destinado para o Brasil, em 2021, e comemorado com pompa e circunstância.
Pelo visto, nosso futuro “promete”…
Por Homero Gottardello