Do ponto de vista ambiental, carro elétrico não tem no Brasil a importância que tem na Europa
Europa, Estados Unidos e países orientais, especialmente China e Japão, desenvolvem projetos de produção em série do elétrico puro e do híbrido, enquanto no Brasil, o sistema veicular elétrico é incipiente, com alguns poucos programas isolados e nenhum incentivo tributário, o que reflete na desprezível frota de três mil unidades, num universo de 43 milhões de veículos.
É inegável que a mobilidade elétrica vai ocupar um lugar de destaque no mundo no próximo período e o Brasil precisa se preparar para acompanhar essa evolução e eletrificar parte da frota. Mas se a questão é a busca pela redução dos gases efeito estufa, a premência é muito maior da Europa do que do Brasil. Isso porque, o Brasil está muito adiantado em relação ao resto do mundo no que se refere a emissões veiculares, por causa do álcool combustível, que é muito mais eficiente do ponto de vista ambiental do que qualquer combustível fóssil.
O elétrico é mais eficiente porque tem emissão zero de poluentes, mas é alimentado por energia elétrica cuja produção pode gerar emissões, caso da China, que gera eletricidade a partir da queima do carvão, um combustível altamente poluente.(E além de ter no etanol o programa mais evoluído do mundo em relação a emissões, o Brasil tem a maior parte da energia elétrica gerada de fontes limpas, por hidroelétricas).
Com o uso do álcool combustível, as emissões geradas pelo parque automotivo no Brasil são menores do que a da Europa. No Brasil a emissão é de 110g a 115g de CO2 por quilômetros rodado, enquanto na Europa a emissão é de 130 gramas. A Comunidade Europeia trabalha para reduzir as emissões, que deve chegar a 95g/km na nova etapa do programa, mas para isso está fazendo uso agressivo da tecnologia elétrica, única forma de atingir os objetivos.
“Para atingir as metas propostas, a Europa terá que ter entre 10% e 15% de carros elétricos na frota; não tem outra saída”, disse Henry Joseph Junior, vice presidente da Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos.
Já o Brasil, basta incentivar o uso do álcool para reduzir ainda mais as emissões de gases efeito estufa; hoje, o combustível de cana de açúcar é usado por apenas 30% da frota.
“Basta criar um programa de incentivo do uso do álcool para o País baixar rapidamente ainda mais essas emissões”, explicou. Segundo Henry, a meta do Brasil é reduzir em 43% as emissões de CO2 em 2030 (em relação ao que emitia em 2005).
“Sem dúvida que carro elétrico tem vantagens, mas do ponto de vista de aquecimento global o Brasil não depende dessa tecnologia. Não tem a necessidade de promover o mesmo incentivo que a Europa”, elucidou o dirigente, que é especialista em emissões.
Isso explica a corrida de países europeus e asiáticos em busca de opções ao motor à gasolina, e, como não existe uma alternativa como a encontrada pelo Brasil com o álcool, a opção tem sido o carro elétrico. Recentemente a Volvo anunciou que a partir de 2019 não terá mais carros a gasolina (daqui dois anos!) apenas elétricos. A Inglaterra anunciou que vai proibir a produção e a venda de carros a gasolina e diesel em 2040, enquanto a Noruega quer o fim do motor à combustão ainda em 2025. Outros países, entre eles a França, também incentivam o uso do carro elétrico como forma de reduzir a poluição atmosférica e atender as exigências ambientais em relação a redução de emissões.
O ministro de Ecologia da França, Nicolás Hulot, anunciou que o país vai eliminar a venda de carros com energia derivada de petróleo a partir de 2024, o que considera “um plano ambicioso para atingir as metas fixadas no acordo climático de Paris. Uma verdadeira revolução”.
Também a Índia planeja a transformação da matriz energética do setor automobilístico de combustível fóssil para eletricidade já em 2030 e a Alemanha quer por um milhão de carros elétricos nas ruas em 2020.
E o Brasil? O Brasil ainda engatinha no uso do carro elétrico: não há incentivo governamental e as poucas experiências feitas até agora não frutificaram. A indústria automobilística discute com o governo formas de incentivo, com a eliminação de impostos e incentivos à produção, mas o assunto não é prioridade como é para os países europeus, que não têm alternativa para reduzir as emissões.
Além disso, o Brasil está um passo à frente do resto do mundo nessa questão, porque já eliminou o carro à gasolina há 14 anos, quando lançou a tecnologia flex, o que permitiu uma redução drástica das emissões e a independência em relação ao petróleo.
Questão de saúde
Segundo a Fapesp, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, quando o motorista troca o álcool pela gasolina no seu carro flex (o que acontece quando a relação de preços é favorável ao combustível de petróleo), a saúde da população paga o preço, porque a substituição do combustível implica em elevação de 30% na concentração atmosférica de material particulado ultrafino, aquele com diâmetro menor do que 50 nanômetros. O fenômeno foi constatado na cidade de São Paulo em estudo apoiado pela fundação e publicado este mês na revista Nature.
“As nanopartículas de poluição são tão pequenas que se comportam como moléculas de gás. Ao serem inaladas, conseguem atravessar as barreiras de defesa do sistema respiratório e alcançar os alvéolos pulmonares, levando diretamente para o sangue substâncias potencialmente tóxicas, podendo aumentar a incidência de problemas respiratórios e cardiovasculares”, esclareceu Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e coautor do artigo.
A concentração dessa nanopartícula não é monitorada ou regulamentada por órgãos ambientais do Brasil ou no exterior. A Cetesb monitora rotineiramente apenas as partículas sólidas maiores.
Nos Estados Unidos e na Europa é consenso que essas emissões são prejudiciais à saúde e na Califórnia há leis obrigando a mistura de 20% a 30% de etanol na gasolina, o que ajuda a reduzir a liberação de material particulado ultrafino.
Os dados analisados no estudo da Fapesp foram coletados no topo de um prédio de 10 andares entre janeiro e maio de 2011, local não diretamente impactado pelas emissões veiculares primárias.
“Os resultados reforçam a necessidade de políticas públicas para estimular o uso de biocombustíveis, pois deixam claro que a população perde com saúde o dinheiro economizado na bomba quando se opta pela gasolina”, avaliou Artaxo.
O especialista diz que o incentivo aos biocombustíveis permite resolver vários problemas de uma vez: ajuda a combater a mudança climática, reduz danos à saúde e promove avanços na tecnologia automotiva, pois a indústria terá estimulo para desenvolver carros mais econômicos e eficientes movidos a etanol.
Claro que o Brasil precisa acompanhar a evolução da mobilidade, tem que estar em sintonia com as novidades e as tendências ditadas pelos países desenvolvidos, mas precisa valorizar o carro flex. Não deve se submeter ao complexo de vira-lata, colocando-se voluntariamente em situação de inferioridade em relação ao resto do mundo, o que Nelson Rodrigues chamava de “narcisismo às avessas”.
Fontes de energia mais utilizadas no mundo
1º – Petróleo 31,3%
2º – Carvão, turfa e xisto 28,6%
3º – Gás natural 21,2%
4º – Biocombustíveis 10,3%
5º – Nuclear 4,8%
6º – Hidrelétrica 2,4%
7º – Renováveis (solar, eólica) 1,4%
Fonte: Agência Internacional de energia (relatório de 2016)